O TREM DA UMA E NOVE DA PAULISTA
TIN... TIN... TIN ... LUZ VERMELHA NA ABOLIÇÃO,
CARRO, CHARRETE, LAMBRETA, GENTE, NADA SE MOVE,
NA PASSAGEM DE NÍVEL, ANTE A CANCELA: PARE, ATENÇÃO!
PORQUE VEM AÍ O TREM DA UMA E NOVE.
O MENINO NÃO SE IMPACIENTA, POIS
O TREM VEM LOGO, NÃO DEMORA,
SABE QUE NÃO É ANTES, NEM DEPOIS,
O UMA E NOVE CHEGA NA HORA.
TARRAN TARRAN, TARRAN TARRAN, SÃO OS RANGIDOS
DAS BITOLAS SOB AS RODAS DA COMPOSIÇÃO,
ECOS DE TEMPOS IDOS,
ACORDES DE UMA FERROVIÁRIA CANÇÃO.
LÁ VEM A MÁQUINA AZUL DA PAULISTA!
PIIII ... SEU APITO, SEU SINAL,
PARA O MENINO O CANTO DA ARTISTA,
ERA O UMA E NOVE SEMPRE PONTUAL.
E COMO SE FOSSE UM DIÁRIO DESFILAR,
SEM QUE NADA MUDE OU RENOVE,
À MESMA HORA, MESMO TRECHO, A ESPERAR
O TREM DA UMA E NOVE.
O MENINO EXTASIADO
OS VAGÕES CONTA, UM A UM,
NA SUA ARITMÉTICA SEMPRE AFIADO
NÃO ESQUECE DE CONTAR NENHUM.
O TREM VAI DESLIZANDO,
UM, DOIS ... DEZ, DOZE ... DEZENOVE,
O MENINO IA CONTABILIZANDO,
O TOTAL DE VAGÕES DO UMA E NOVE.
A CADA VAGÃO O INFANTE VIBRAVA,
___ "HOJE TINHA MAIS UM ENGATADO!"
E COM AUTORIDADE DECLARAVA:
___ " ERA O CARRO LEITO PARA O MAIS ABASTADO".
E PASSA O VAGÃO RESTAURANTE,
COM ARES DE CARRO FINO,
MESA COM FLORES E GENTE ELEGANTE,
NADA É DESAPERCEBIDO AO OLHAR DO MENINO.
NOS VAGÕES DA SEGUNDA CLASSE, PESSOAS MODESTAS,
COM BANCO DURO, MAL AJEITADO,
E TUDO SE VIA PELAS JANELAS E ARESTAS,
MALAS, PACOTES, SACOLAS, GENTE, TUDO LOTADO ...
OUTRO CARRO LOGO VEM,
COM PASSAGEIROS BEM ARRUMADOS,
É O PRIMEIRA CLASSE QUE CONTÉM
CORTINAS, ENCOSTO COM CAPAS E BANCOS ESTOFADOS.
A COMPOSIÇÃO ESTÁ NO SEU FINAL,
QUANDO ALGUÉM AO MENINO ACENA,
ESTE DE IMEDIATO RESPONDE AO SINAL,
E CONSIGO DIZ "AINDA HEI DE FAZER ESTA CENA!"
......................................................... (E O TEMPO PASSOU)
___ UMA PASSAGEM, POR FAVOR,
A RESPOSTA ME COMOVE:
___ NESTE HORÁRIO, NÃO SENHOR!
JÁ NÃO EXISTE MAIS O TREM DA UMA E NOVE.
08/86
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ANDRADE JORGE