NO MATTER HOW, I GO
Nesta vida que passa como um sonho furtivo na noite
aprecio o cuidadoso ofício de poeta e escritor
Porém, para pagar minhas contas
finjo ser um modesto e laborioso vendedor,
esquecido nas tardes quentes e nas manhãs chuvosas
eu vou me alimentando do ceticismo e da estranheza que me cerca
vou me nutrindo da incredulidade que adeja ao redor
Vou absorvendo os olhares de indiferença,
assimilando alguma irascividade,
vou tomando nas mãos toda a ignorância
que se propaga nas periferias e nos centros urbanos
Eu vou tirando proveito
da revolta que trago no peito
Então mergulhando em mixórdias
eu vou lançando mão de sincretismos,
vou engendrando metáforas
e martelando frases
e edificando hiperbolias
entre a população, a fumaça e os semáforos
vou tropeçando em solecismos
Mas vou continuando o poema
das sarjetas, dos ralos com crostas de sujeira de esgoto
e do senso comum que é sempre manipulado
Ás vezes me desconcentro
e me perco sozinho no centro
da cidade
E vou assim mesmo
vivendo meio a esmo
e precisando de amor
como andrajoso mendigo
que está sempre e apenas preocupado com o próprio umbigo
Eu vou olhando pros lados,
tentando capturar o resquício de um poema
num resto de frase, num rosto, num ruído, num problema
Quero ouvir num sibilo, num chilrear,
o ressoar de um verso marginalizado
ou uma cena que conote emoção, a revolta ou qualquer coisa
que incite,
que exorte,
que modifique e imprima sua marca na percepção
Eu vou cantarolando Roll Over Beethoven
Sonhando com uma mulher de tetas graúdas
e quase desnudas
Eu vou assim mesmo
por que não posso fugir do poema
como alguém que ignora um telefonema
Morpheus