Gestos





É chão, palco, tablado,
teatro, arena, fosso.
Onde vão esses instrumentos rotos,
que são palavras que nem uso,
algumas que odeio, algumas que esqueço?
Instrumento das mãos, 
antes de se tornarem "me esqueça",
ferramenta do canto jondo,
morrendo na sola do sapato,
e esgueirando-se pelo dia....
É tempo, caso, segredo e silêncio,
inferno, ferida, percepção e assombro.
Faço para não ser entendida,
esfacelam-se nas asas que fogem.
Tombam atrás do horizonte, perdidas,
erguem sua memória
por detrás das nuvens sombrias.
Feitas de sol e de firmamento,
nos prédios trancadas
entre o granito e o cimento,
moldam o cubo que virou casa,
saem da cartola como forma de desagravo,
pedem perdão por eu não ser culpado,
inventam histórias e enfim...
se perdem no cerrado.

Só porque de suor é feita,
evoca o nojo e o desagrado,
quando no papel resvalam como praga,
viram moscas e viram larvas.
Renascem e morrem,
causam a tempestade 
e o céu que desaba.

Habitante mais velho,
de uma terra sem tamanho,
é mais árvore e menos homem,
de galhos tortos que sobem..
sem destino.
Enquanto do céu, descem as leis,
novamente as palavras medem o menino.
Maior poeta, menos poeta,
não há na palavra unidade de medida,
se a mesma que diz: bom dia,
é a mesma que o  tira dessa vida.

Tambores, pulsos, baionetas,
palavras em cores vermelhas,
letra de sacrifício,
enterram na mente a ilusão...
intestinal, cerebral, espiritual,
visceral, natural, conceitual....
Cada "eu te amo" se equivale...
e mais um peito abandona,
para correr como um antílope.
E as palavras que detesto?

Cada coisa em seu lugar,
e cada lugar em universo algum...
As palavras não fazem o mundo,
nem o mundo salva a poesia...
alma amarfanhada e gasta,
que dança ainda sob as solas,
quebra ossos, corrói a mente,
instala a dúvida, inventa o para sempre,
teima em existir, mas existir,
é para quem não sente.

Teatro, tablado, palco, morte,
destino, laceração, fissão....
Tudo no mesmo suor gasto,
de quem ignora e de quem pressente,,
discurso falho, velhos muros,
sonetos inválidos,
redondilhas carentes,
ensaios pálidos,
canções dementes.
Entenda-se no frontispício,
que as mesmas palavras gastas pousaram,
em formas aéreas em sua frente.
Não são louros ou tiaras falsa,
nem tampouco embriões inacabados.
É a natureza escura
e a luz em construção,
como os esqueletos que sustentam a noite,
à espera de um sol inclemente,
prestes a voltas para a escuridão.

Não são deuses nem eras passadas,
nem máquinas e futuros delirantes...
são só palavras, antes grunhidos,
fonemas arcáicos e futuras maldições....
o que era feitiço, agora é lenda,
morreu nos braços, recortou o espelho,
poliu os gestos,
esteve aqui e agora....
nem habita mais o tempo presente.
EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 17/04/2012
Reeditado em 19/04/2012
Código do texto: T3618570
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