Elegia das palavras
Não é a palavra gasta
que nos mortifica
Não é a palavra cansada
e dúbia
que nos mantém cativos
a manchar-nos os olhos
a nos tapar os ouvidos
com o azinhavre da indiferença
que se esgueira pela noite escura da hipocrisia
É o gesto obtuso
que atravessa o asco
e se condensa dentro do peito
como um grito invisível
irrompendo do pretencioso abismo
onde tudo é orgulho e presunção
De dentro do silêncio implausíveil
da mezquinhez
em meio ao espúrio átimo de tempo
flutua a tua mão em direção à minha
e agora,
neste momento onde as tardes e as noites,
com suas hastes de ecos gritando ao vento
balançam nesta brisa morna
do outono infensa a qualquer digressão,
vive o momento humano
o vento no espelho
a face sem nome
onde me reconheço em você
e mesmo sendo seus olhos o princípio do verso
a poesia não acontece,
mas guarda um silêncio
que mora na mão
que a outra espera
fragmento do medo
não do escuro,
mas do degredo
do segredo
de que tudo termina
na eternidade
que gira e soluça
criando e consumindo os dias
à revelia dos nossos nãos
Sei que num destes dias
haverá alguém que ouvirá
o silêncio que ainda trago
assimilado às noites
onde o poema se cala
em intangível melodia
e lentamente se afaga
nas minhas mãos de menino
que tecem versos e mentiras
para suportar o mundo
que freme nas frestas do tempo
a gotejar iniquidades
pelos séculos
dentro das estrelas de anil
castiçais azuis
na noite movediça e muda
envelhecida
como a luz e a água
e o sol poente
regressando inermes
à madrugada
sem alma