Girassóis

A tarde chove sobre os telhados

trazida pelos ventos que arrastam

nuvens pra debaixo das telhas

manchadas pelos rios

debruçadas sobre a vida

escondendo constelações

que se amontoam

nas platibandas

no céu tingido de cinza

onde estrelas viajam a milhares de quilômetros por hora

expandindo o Universo

no mesmo instante em que uma criança morre

diante da minha indiferença

como um sonho que se acabou

como um aprendizado

sob a chuva passando por aqui

neste exato momento

apagando nos caminhos que andei

o som e o cheiro da poeira dos meus passos

tanto caminhei em direção ao mar

e mergulhei nas suas águas o amplo dissentir

que traçou tão fundo a minha vida

tantas mortes

tantas vidas

vividas diante dos espelhos

onde se calam os meus silêncios

e as vozes do que fui

a imagem no espelho não sou eu

nada diz dos momentos irrrefletidos

dos meus tormentos noturnos

nada diz dos ecos irrefletidos da minha alma

que ressoam na tarde

ressoam no tempo nu

em meio a um campo de flores

e gavetas repletas de imgens desbotadas

que molham o sol onde me vejo

em cada aurora canora

em que a flauta mói o rumor dos pássaros

vestindo a árvore de negro e marulhos

na eternidade que a manhã vaza em dourados

bibelôs de vento e bruma

e se acaso

na chuva da manhã o sol se apagasse

dentro da sua própria vertigem

dentro do labirinto de ferro das nuvens

negando a sua própria existência?

e se acaso

no tardar lento do dia a criança morresse

pelas ruas da sua vida pequena

de desamor

de abandono

um cão sem dono

sem palavras que a definam

o seu (des)gosto (asco?) pela vida

sem afeto?

Definham minhas palavras que nada dizem

diante de tanta dor

Minhas palavras almoçam e jantam

Minhas palavras riem com meus lábios

a matraquear em meio ao espanto da solidão

enquanto a criança morre

despida de vida

nas ruas a sua prisão

lenta

nos bueiros e vãos

da cidade de merda

ratos

baratas

e esta pústula a lhe cobrir o corpo

é o que lhe coube

No fim de tarde tendendo a dourados e vermelhos

olho da minha sacada

do alto dos meus oito andares

onde moro

e pressinto: a vida é uma roda morrente e inelutável!!!

Só sinto falta de girassóis para chorar comigo