Sob a noite

O olhar encantado

sonhando estrelas

dentro das noites

beslicando a vida

que bem longe demora

é assim que uns dias vêm

e outros vão embora

tudo que vem depois

entre um escuro

e uma aurora

são imagens que daqui de dentro

são as pressagas das daí de fora

Os finais de tarde

naquela rua Maria eram

o colo onde Deus dormia

e dos seus sonhos

bebia-se a água da sede

de vida e de poesia

deste fim de tarde

pousado neste fim de dia

onde os girassóis,

sufocados pela noite,

esbatem as cores das horas

deste sol primevo

das flores deste regaço de abril

Onde deixei minha infância?

Onde deixei os meus passos?

E a lama...

Onde deixei?

E a lama dos meus passos?

Meus passos de menino,

um sonho de Deus

O sonho de um final de tarde

com seu vermelho hermeneuta,

sua palavra sem excedentes

Brilha no olhar do homem

a primeira estrelinha

Brilha sobre a miséria do homem

a estrela que sai do hálito azul da tarde

e pulsa confundindo o coração do homem

Sob a noite,

o olhar encantado,

o homem sonha estrelas

sem saber que a estrela já brilhou

fora da Caverna de Platão,

onde alheio à vida só se vive de ilusão

Já brilhou e brilhará

para reis e generais,

proxenetas,

miseráveis,

banqueiros e

prostitutas

Brilha, levemente, no fundo da taça

onde bebemos, felizes,

a cicuta nossa de cada dia

Brilha a estrela na noite dos

teus esplendentes olhos negros

reverberando no arfar do mundo

a alegria das flores abertas

Agora,

enquanto a constelação,

pássaro azul,

faz-se em poesia

ronda a tua sombra quente,

o teu corpo nu,

nus os teus olhos negros,

a tua fome nua,

Maria