Dia santo

Minha mãe costurava do melhor cetim

O que fosse para cobrir o rosto de Mãe Maria

Naquele dia não se varria a casa

Não se podia ouvir ruído que fosse

Não se podia querer nada

E não se via nada

Que não fosse o rosto coberto de Mãe Maria

Minha mãe servia um peixe qualquer

A um molho qualquer

E um arroz de sempre e de ontem

E muita água

À mesa, a iminência do Rosário me abatia

Rezava por terços e terços

E mãos dadas em procissão

Rezava por Mariazinha

Que se chamava outro nome

Que eu não sabia qual

Meus dias de cinzas

Que Dé vivia por perto comigo

Antes de ser engolido de rio

Eram dias que me diziam ser

Ter que ser de pura solidão

O rosto coberto de Mãe Maria

Não se podia ousar tocar

Não naquele dia

O cetim religiosamente costurado

Por mãos de minha mãe

Ah, que heresia seria ousar

E eu, em minha pequenez de sempre

Em minha infinita mão que tocava e tirava tudo de prumo

E de rumo e de lugar

Ousei

E haveria de haver ali

Uma lágrima que eu contasse a Mariazinha

Que fosse de uma cor que ninguém soubesse

Fosse feita de pedra

A lágrima que escorria

Sob o cetim costurado de minha mãe

Fosse de ouro

Fosse o que fosse

Devia existir

Mas havia apenas os olhos de Mãe Maria

Azuis

E só

De mãos dadas na procissão

Que mentes haviam decidido que eu devia acreditar?

Que ousasse o toque, eu seria o menor do menor do pior

Que Deus nunca teria permitido nascer

E nasci

Talvez de barro

Talvez de pedra

Era crença nenhuma

Quando vi que não conseguiria recobrir

O rosto de Mãe Maria

Era cetim

Costurado por mãos de minha mãe

Em minhas pequeninas mãos

Era verdade

Devia ser

Os danos que sofri

Os gritos que fingi não fossem dirigidos a mim

Gritassem aos campos

Que outrora não me deixaram conhecer

E proteger

E descobrir

Que Mariazinha, de mãos dadas na procissão,

Já me esquecia

Eu que nunca soube contar de lágrimas

Que ninguém já não soubesse

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 05/04/2012
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