Flores no ar
Não há encanto nas flores
nesta manhã que estremece,
que não me pertence,
esta manhã sem você
imóvel,
longeva,
e distante.
Entre sóis,
tempo,
e espaço,
há a insônia do silêncio
que já faz parte de mim
e da minha pergunta
que me lembra sempre você
minha flor ausente,
cambiante
alegoria de um sonho gasto
que se enredou em mim
minha fuga feita de palavras
e rabiscos que escapam das minhas mãos
trêmulas,
furtivas como o passado
O vento, em fuga,
apaga a bruma que o sol
vai tecendo,
seca o orvalho
na face das flores,
tece ausências
no longo percurso que a noite urdiu
até se dissolver na manhã lilás,
calada,
talhada em vapores azuis
como um casulo do mar
que entra pelo espelho latejante
e pretérito da minha solidão
Fecho os olhos
e o mar e o dia e o sol
são apenas borrões flamejantes
nesta manhã transparente
ao som do mar que bate na pedra solitária
e queima a imagem náufraga no espelho
onde sou um e sou vários
onde as minhas faces medram em meio aos reflexos
ecos insonoros do mar vazio
sombra e luz
verdade e mentira
se movem no fogo em que ardo
Arde o fogo do sol
na minha face de nácar
como se o dia nunca tivesse me visto
como se a vida fosse apenas uma pausa
entre dois sonhos
e o nascer um despertar
dentro de um instante finito,
etéreo, hierático,
ilusório labirinto
onde a minha alma é essência
e a vida...
eterna ausência
Ausência de caminhos,
permeados de poesia,
assim calados,
sem falar de ti
ausência roubada de mim
vida e versos roubados ao grito
das minhas bocas díspares
Um grito que é cintilação e beleza
outro grito que é medo e ansiedade
Noite e dia
sol e lua
a flor que entre as minhas sombras floresce
a tarde que amarelece
enquanto meu coração anseia
pelas vozes que consomem-se e ardem-se
em barcarolas
que alongam-se em velhos mares
e nos séculos escondidos por entre o vento
e um soluço de amor
Não há lágrimas no vento esta manhã
Não há lágrimas
Só há uma flor sem nome
e pétalas de nostalgia
belas e tristes
no ar