BICO DE FIM-DE-ANO
“ Pai, preciso-te presente!”
falou arreliada e embirrenta
a órfã de mãe,
filha de pai solteiro,
que, aos quatro de idade,
não sabia brincar de bonecas macias
nem de vestir os travesseiros de fronha.
Antero saiu de cada
para o último bico do ano:
na barriga farta há uma gravidez de algodão,
na cabeça gasta, miolos fartos do gorro vermelho
e, nos pés, um par de botas caminha aos calos.
Antero não titubeou
mesmo ao ouvir um gesto
de quatro de idade
dizendo-lhe: “Preciso-te presente!”
Deixou-a na vizinha,
no lado ímpar da rua da casa,
que meio mãe, meia tia, meia mulher, meio admiradora
o enternecia pelo carinho de graça
que dava para sua pequena no primeiro, no segundo, no terceiro
no quarto ano que passa sem emprego,
apesar dos fartos sorrisos de cerveja da virada do ano.
Passageiro e personagem,
emprestou seu nome às fotos
com crianças sempre ao colo
de rosto sempre encoberto
e melecado pelas mãos de algodão-doce
das crianças sem barrigas de algodão.
Voltou a dormir com a vizinha.
gastou toda a gorjeta do bico
desejando um ano-novo à Juliana
vizinha cuidadosa na arte de dar
um presente à sua filha de quatro anos
daqui a nove meses.