TANGO: AMOR NA VERTICAL
Plantadas no fundo de rios e tormentosos mares,
encravadas âncoras consomem-se, solidão.
Meus pés escafandristas estão quietos.
Corpo repleto de música,
lábios cadenciam lamentos do antigo sino,
dolência de emoções, cantos, desejo.
O par bailarino abre ágeis asas, arrastando pés,
mãos, tronco, fetiches.
Panturrilhas rijas da dançarina
encravam-se – fêmeas – neurônios de tango e sal.
No rosto da pareja o coração pulsa: louco relógio
resfolegado de técnicas, ocultos cansaços.
La niña: o peito explode nos seios, expulsa o ar
entre notas lépidas, violino, bandoneon.
Voz rouca, o violoncelo contrasta
a mórbida suavidade do piano.
Silhuetas soluçam plumas no torso nu,
música é um contar de nuvens.
Neste dia de maltas e súcias,
vozes amadas subsistem:
mitigam cadafalsos, guilhotinas.
O Prata é um rio tanguero,
um ardiloso nariz álgido
de plátanos, charruas, ventos.
No Pampa uruguaio, o tango começara cedo:
que o digam Andresito e Artigas,
bailando entre espanhóis, cavalos,
canhões, arcabuzes.
- Do livro OVO DE COLOMBO. Porto Alegre: Alcance, 2005, p. 86.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/35930