CADEIRA DE BALANÇO

desacomodei-me...

Levantei-me da cadeira de balanço

donde o tempo passava

sem vai nem vem...

Estáticos,

os ponteiros do relógio,

após quarenta e oito voltas ao mundo,

rebelaram-se:

estrangularam o pêndulo por imobilidade

ao perceberem-me envelhecido.

eles,

que choraram todas as mortes da casa,

convenceram-me a aposentar o pijama esgarçado

e o chinelo macio acomodado aos calos

enquanto os dias rangiam

no vai-e-vem irritante do balanço.

Cansei de beber chá ralo para arrotar sutilmente,

de ouvir música clássica na mais total monotonia,

de perceber a rima, de cor, no sonetinho metrificado.

Preciso voltar, acompanhado, pela contra-mão

beijando-te pelas sinaleiras fechadas, similares aos semáforos

repetitivos de verde, de vermelho, do amarelo pé de arco torto

da cadeira de balanço cúmplice do estrangulamento por justa causa dos ponteiros.

Juro, pensei até em queimar letras vivas,

imaginando-as desnecessárias para a vista.

Foscos e ilegíveis, os meus, os teus e todos os escritos

misturar-se-ão ao estado bruto da madeira crua

da pouca sensibilidade, agora, turva

no meu papel de medíocre.

quarenta e oito folhas-de-cheiro,

de um livro vazio cheirando a novo,

fizeram-me desistir da arma arma;

tateei uma caneta e cego rabisquei confidencias ao amor imprevisível.

Tenho vontade urgente da nudez,

nem que seja para regressar donde vim

ou para me ultrajar com o terno que quererão me vestir

no dia em que morreria com a bunda quadrada

grudada na cadeira de balanço.

Escandalizada, Matilde, a empregada

que sempre me serviu sopa com gosto de vômito de gato,

após quinze anos de serviços prestados, enquadrou-me: “velho tarado!”

Nunca ri tanto quanto com o seu rubor falso pedindo demissão.

A nudez do final da tarde

devolveu-me a liberdade de queimar velhos pijamas

e com mercurocromo novos calos;

minhas unhas encravadas, meu torcicolo, minha dor na coluna

ficarão mais sensíveis, já que Matilde saiu para ir à farmácia e não voltou;

em compensação, não serei mais obrigado a tomar a sopa das seis da tarde

com gosto de vômito de gato!

Daí para ganhar nova vida

foi um só salto:

levantei-me da cadeira cúmplice pelo assassinato

da minha idade, sem ponteiros

... e destrambelhei a viver

como se o passado nunca tivesse sido gasto!

À beira-mar,

resolvi comer com muito sal,

sem me importar com a repressão,

até me empanturrar com os doces de banana na sobremesa,

após lamber os dedos com azeite da moqueca de camarão!...

Foi apenas um pulo:

da cadeira velha para a rua nova,

onde passei a namorar rostos e corpos sem tristezas alguma,

contra a torrencial chuva tropical

nadei até o sol sem protetor.

Um rosto de apenas vinte andares

chamou-me para um mergulho radical

no trampolim do arco-íris até o pote

dessa mulher de andar manso

sem olhar de cima para baixo

sem traços de melancolia no rosto

que me devolveu a liberdade de dançar

um rock aos quarenta e oito anos.

Os amores do passado,

estão todos soterrados

como a cadeira de balanço.

Arrisquei-me:

chamei-a para conhecer minha casa!

Primeira resposta, um não com medo de mofo;

segunda resposta, um talvez sem medo de poeira;

terceira resposta, um feliz sim interrogativo: “Por que não?”

Consciente,

queimei a minha coleção de flâmulas,

para o lixo foram os albuns de família,

até o ralo engolir a água do aquário.

Mágica!

teu cheiro de beijo molhado

revolucionou a alma da casa

que, até agora ri, com o pedido de demissão de Matilde.

Com gosto de primeiro,

aconteceu o segundo!

não foi nem preciso licor de cacau ou dentifrícios,

para e terceiro, quarto ou quinto sucederem

e já desnecessários,

para que nenhuma ausência fizesse falta.

o teu jeito feminino,

soube fazer bem a caminha

e deitar-se sobre mim, enamorado,

a teu jeito, único e só teu,

aprendei a achar os meus guardados

e a desmanchar-me aos seus quarenta graus.

Enquanto isso,

à sombra da pior das solidões

a cadeira de balanço foi condenada

ao vai-e-vem insuportável de andar sem sair do lugar.

O pêndulo foi absolvido!

Não me despirei vulgarmente!

roí as unhas das mãos quando te conheci,

cortei os cabelos compridos que não faziam falta,

olhei-me no espelho, pela primeira vez tive medo de mim,

e mergulhei na vida, consciente, com o fôlego dos adolescentes.

Comprei roupas novas,

e fiquei moço sem me tornar ridículo!

reascendi os perfumes

achei-me impregnado em teu cheiro,

dei um abraço interminável em mim próprio

enquanto nossos corpos ficarem fechados na paixão.

A cara-metade da vida mora na morte!

O tempo achou um prazo

para acomodar esse amor à primeira vista!

e eu, que nunca acreditei sequer no amor,

me flagro comprando árvores de natal,

uma aliança com jeito do teu dedo,

dois travesseiros para a cama

e um relógio ultra-moderno.

agora,

poderei acordar bem tarde

e ter bom-humor

- da boca pra fora ou para dentro –

para falar o que meus guardados pensavam

e entender como mulher e homem se esperam.

agora,

em nosso espaço próprio,

estamos inseparáveis

até a metade da barata cama de casal

fria, não marcada pelos nossos corpos

indispensáveis ao calor único do amor.

A cadeira-de-balanço,

naquele vai-e-vem monótono

está aposentada,

como sem função está o pijama esgarçado

os amores passageiros,

os jovens, os velhos, as meretrizes

os assassinos ponteiros bem-aventurados

que matou o tempo na hora certa

para eu fugir só para a rua

e, contigo, voltar acompanhado