ZUMBI SEM ALFORRIA.
Vida enxaguada, desmamada, desmatada.
De fuligem arrancada, de suor enxarcado, de viez atado.
Das tênues franjas se faz criança, se faz cordel, se faz destino.
Desejo a pino, fogo domado, sangue misturado,
amor.
Vida que se tem gozada, esgarniçada, aflita,
vida que se faz fogão, se diz folião, se maldiz solidão,
cada pétala desta vertigem é mofo à deriva de um vento qualquer,
cada voz que se diz guerra seduz a terra até coalhar,
torpor.
Vida que se tem amada, de todo jeito avarandada,
nas querelas bêbadas da paixão se fará Deus,
nas profundezas do peito descravará sua mais louca poção,
calor.
Vida que nós temos desalmada, zumbi sem alforria, magia,
quem souber dedilhar suas vértebras que as traga pra mim,
quem souber desafinar meus sopros mancos que diga amén,
quem souber onde estão meus olhos que faça deles o que bem quiser,
estupor.
Vida que nas mantas dispersas da fé se prostrou vala,
vida que não tem mais força para cuspir toda dor para dentro de si,
vida que de tanto saltitar enfadonhada pediu um canto qualquer e foi dormir,
flor.
Vida que nos perdemos entre choros pouco ouvidos,
nos séquitos avessos embruxados se diz presente,
nas farsas rasgadas dos meus caminhos se deixou levar e nunca mais voltou de vez,
criador.
Vida que agora está desnuda, toda esfaceladas num repugnante sorriso morto sem verso,
espero que ainda seremos órfãos na mesma fronha, do mesmo pão,
quem souber mascar seus quebrantos, que vá embora de vez,
não existe legado que possa fazer trazê-la de volta pra mim.
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