Morrer é tão banal

Todos os séculos estão aqui, neste momento, com suas barbáries

e passam lentamente...

e se põem de pé

e se envenenam

dentro dos palácios

nas alcovas

sob o ar frio das manhãs geladas

sob os pinheiros ressequidos

da onde pendem os ninhos das raposas

Multidões aguardam sob os pinheiros cantando hinos às nações

Foi a revolução que não deu certo

ou foi o homem

que se fez inimigo diante da ignota

força humana sedimentada em glórias e ilusões?

Visões que espreitam nesta manhã de sol,

silêncios imobilizados

da história

A revolução liberta ou só deambula entre os homens,

nua, cantando suavemente nas arcadas de uma "nova" submissão,

acendendo delírios, cegando o ardor funesto da paixão?

O homem, algoz disseminado num sucessivo matar desde a aurora,

definha entre a púrpura do tempo

e os desertos onde sempre há um rei para submetê-lo ao rogo

e a vassalagem

O frio aço da espada e, mais recôndito, o frio aço da palavra

domina-lhe o ânimo taciturno

E ao cair da noite a lua cheia permeia a vida e o engano

nisto que Dante brandamente chamou de "Inferno"

Em silêncio vislumbro a dor que dorme petrificada na neblina

que se escoa por entre as pedras do castelo dos milênios

A urdidura dos impérios aos domingos também vai às missas e cultos

Os Deuses confortam e oprimem, aqui e ali, conforme se ergam as mãos

em desespero, em gratidão ou em fria admoestação

É outono!!!

A natureza tende à perfeição

A praia move-se ao longe...

regressando sempre

trazendo consigo os barcos para ancorar em seus portos minimalistas

Os passáros, no céu, tendem à eternidade diante de meus olhos

numa cumplicidade azul

A vida que aninha-se sobre os versos que secaram com as folhas

e já caíram dos galhos prepara, com os olhos desinteressados pelo passado, o templo do novo dia

enquanto os homens vão se dizimando num tédio

imponderável e inexorável

intolerantemente

A guerra diz o que somos?

Mata-se...

Mata-se desde sempre

Em nome de um Deus

Sob a estultice de uma idéia

Para defender a causa nobre

Retalho da pobreza e da dor que a chuva de ogivas recrudescerá

Mata-se com honras de herói nas guerras

frias, quentes ou mornas

Nas guerras santas ou satanizadas

Guerras dos cem anos,

púnicas, medicas,

guerras, guerras, guerras...

No chão que eu piso cadáveres resfolegam,

me espreitam com seus olhos de milênios

soando seus arcabuzes e suas espadas,

gritando imprecações contra a vida turva que se perdeu sem alarde,

sem adeus ou rituais

sem o vermelho de uma rosa

somente o cheiro do escuro queimado pela pólvora ou pelo aço

num estampido invadindo a manhã medieval,

impudica, sádica e insolente

Pobre homem para quem o grito não cessa,

não comove,

não ecoa do passado e,

sobretudo,

não o desperta do sono

onde ainda ouve-se a ira ensandecida

da sinfonia macabra

da sua alma cega e surda,

triste refúgio do nada

Agora,

além de outono e seus sofismas,

é madrugada

A vida dorme

A natureza acalenta o encanto e o perfume das flores noturnas

O homem...

maquina o seu próximo crime

a próxima invasão

o próximo ataque

o próximo alvo

envolto pela bandeira nacional

A morte, assim, ufana

A morte, assim, faz menos mal?

Morrer pela mão do tédio alheio é tão fácil,

tão triste

Morrer, assim, é tão banal