Chuva

De novo a chuva

miudinha

A chuva miudinha que quase nem faz barulho quando cai

A chuva miudinha que nem cai

Vem deslizando como mãos percorrem os corpos

Apenas carinhos onde me iludo

Por que não ouço

Sou surdo

À inaudível canção das ranhuras das gotículas nas janelas

Das gotículas dissolvendo-se no ar

Uma chuva de mentira

Uma chuva meretriz

Que cobra o michê da vida

Bordejando a lua cheia

Esgueirando-se pelas ameias

Chove a chuva miudinha sem som

Como quem ouve uma lembrança

Dos telhados da infância

Do quintal onde os antúrios

Namoravam as rosas

Fazendo ciúmes aos cravos

Molhando e misturando as cores

Para que o arco-íris se fizesse

Distraindo os meus olhos

Com cores quase de abril

Outonais

Utópicas

Desatentas

E, desatento,

Procuro um dogma que me diga

Que a chuva não cairá antes que

o sono me deite e me ponha a

assuntar a chuva miudinha a cair

Chuva miudinha que

com seu tlim-tlim-tlim sublime

umedece os olhos negros da noite

com ausência e versos de um poema

que nunca vai morrer

A chuva que não cai

Quieta

Enternecida

Arabescos transparentes

Rasura do dia

E da poesia

Que me espera

E/ter/na/mente