Independente de ti

Independente de ti (há) poesia

nos cantos aflitos da casa na insensatez do tempo que simula passar desnudo

na noite que desconhece o tremor amorfo das minhas mãos

Independente de ti (a) poesia

dorme imberbe em praias verdes

em noites de rosas azuis tremeluzentes

e se derrama em auroras castas de medos e segredos

Independente de ti (sou) poesia

no afeto que ficou comigo quando soltei tua mão

no dia que fostes embora da poesia que eu li

sem uma palavra que sobrepujasse o sonho esquecido nas folhas soltas de nós

Independente de ti (fiz) poesia

com as emoções mais banais

com a dor que ainda doía

em branco e preto,

como o retrato de uma dor muito antiga

esquecida nos séculos

algaraviando o livro branco da vida

Independente de ti (quis) poesia

na sede do dia-a-dia

na minha palavra calada

quis a luz à escuridão

quis a poesia das mil e uma noites

nos olhos acesos de um oceano de Brueghel

nos velames e vazas da Nau Catarineta

quis a poesia sem volta e sem véu

quis a anacronia do céu

quis a vida tecida ao fio rubro das tardes

quis a saliva da vida

vislumbrei o hieróglifo dos poemas desfeitos

do que eu ainda diria

seria apenas mais um tremor entre os meus tantos tremores?

seria poesia?

seria o vermelho de um beijo no espelho frio...

...e mais nada?