Tapera do relicário
Tapera, bem poderia chamar-te casarão
ou quem sabe fosses imponente e belo sobrado.
Mas és casebre humilde, onde habitam segredos
Sonhos sem eira nem beira quirogravados em oração.
Não poderia eu ser o cantor dos teus tristes cantos.
Posto que para teus cantos nunca houve compositor.
Teus recantos, esses sim, insistem no andor
da minha inventariante memória.
Pudera eu inventar homens, mulheres e fados
Capazes de habitar tuas fantásticas histórias.
Mas não haveria mulheres belas e feias
como as que em ti noite e dia gemeram.
Homem nenhum imaginado seria tão valente
e atroz, como os que em tuas camas dormiram.
Se eu fosse capaz de entoar sobre ti lamuriosos fados
não seriam tão dolorosos como teus fatos e fardos.
Narrar-te não teria o pulsar, o viver e o morrer
que se passaram em teus obtusos quartos.
A tua pequena sala onde velava Santa Luzia
a bandeja na mão para pouco conforto servia.
Nos recônditos de tua nave genuflexo recolho
relicários de teus homens, mulheres e fados.
Tapera, és casinha velha e pobre que vige e vigia
O pergaminho antiquário nas partituras do tempo.