Tapera do relicário

Tapera, bem poderia chamar-te casarão

ou quem sabe fosses imponente e belo sobrado.

Mas és casebre humilde, onde habitam segredos

Sonhos sem eira nem beira quirogravados em oração.

Não poderia eu ser o cantor dos teus tristes cantos.

Posto que para teus cantos nunca houve compositor.

Teus recantos, esses sim, insistem no andor

da minha inventariante memória.

Pudera eu inventar homens, mulheres e fados

Capazes de habitar tuas fantásticas histórias.

Mas não haveria mulheres belas e feias

como as que em ti noite e dia gemeram.

Homem nenhum imaginado seria tão valente

e atroz, como os que em tuas camas dormiram.

Se eu fosse capaz de entoar sobre ti lamuriosos fados

não seriam tão dolorosos como teus fatos e fardos.

Narrar-te não teria o pulsar, o viver e o morrer

que se passaram em teus obtusos quartos.

A tua pequena sala onde velava Santa Luzia

a bandeja na mão para pouco conforto servia.

Nos recônditos de tua nave genuflexo recolho

relicários de teus homens, mulheres e fados.

Tapera, és casinha velha e pobre que vige e vigia

O pergaminho antiquário nas partituras do tempo.

Gilberto Ricardi
Enviado por Gilberto Ricardi em 23/03/2012
Reeditado em 17/10/2012
Código do texto: T3570623
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