Cantilena

Ouvindo as estrelas

apenas queria

ouvir o perdão

escapar ao degredo

à sucata do dia

à dor da realidade

desnecessária e dúbia

à insolubilidade

das Verdades Absolutas

das palavras corrompidas

feridas pelo pensamento

sufocantes

travo de lágrimas

a impermanência do tempo

e dos seres

e de incontáveis anjos

de um mundo velho

e repetitório

Irresoluto

permanece

inerme

absorvido

pelos soluços vermelhos

vozes trêmulas

inamovíveis

dos verdugos nos templos

e suas palavras

pressagas

vaticinando as

escusas guerras

A arrogância

no fundo dos olhos

a mão vassala

molhada de morte

e de agonia

cobrindo com

a ferrugem

da dor

a repetição monótona

de reis

e palácios

a ruirem

sob as névoas

da intolerância

mimética

Nos espelhos

onde vaga

a melancolia

vê -se a lâmina

gelada

que perpassa

o ar translúcido

inerte

e desolado

que esvoaça na chama

da vela sobre

a velha lata

da infância

e a aldraba dos delírios

No escuro beco

onde a janela

abre para a noite

espezinhada

e crepitante

o rumor do tempo passa

entre o vermelho

titubeante da noite

e o lilás

demorado da madrugada

a lua desenha exaustas

imagens dormentes

que escorrem pelos olhos

cansados

e melancólicos

da aurora

que suavemente

chora

o orvalho da manhã

E nos vitrais do dia

a gota de orvalho

adormecida

ao sol que aquece

o operário

e o patrão

dissolve-se

e amanhece

e umedece

o duro pão

Freme a noite nua

ao vento que traz

o dia

aos campos livres

vertentes de lírios

de rios rútilos

céus de algodão

freme a noite nua

suas vagas de ecuridão

que no ar se desfazem

antes que cheguem ao chão

na manhã tecida

pelos olhos inocentes

do homem que dedilha

e vasculha

ardentemente

a ternura da vida

enquanto a guerra e a fome

se entremostram em outro lugar