Angústia.

Hoje talvez escreva poesia...

A angústia mostra a mordaça!

O peito arfa, a pele se arrepia

e as mãos pedem que eu a faça!

Vivem em mim poentes e nascentes

margens de um rio que sou eu,

terra rasgada esperando sementes

que façam germinar o que já morreu...

Nesse rio, descem sem caminho

mãos que não me afagam

lábios que não me beijam

e aqueles que não me dão carinho!

Vão na correnteza dos meus dias

e levam a saudade que me queima!

Enterrando nessa terra, as alegrias

que doa, aquele que já não teima...

Queria acreditar em fadas e duendes,

e voltar à infância que já não mora aqui...

Queria saber sorrir quando me ofendes

e poder desvalorizar tudo o que perdi...

Não entendo porque a dor me acompanha

Queria saber porque em mim se instala

Gostava de entender o que ela ganha

ao fazer da minha alma a sua sala...

Chego a pensar que ela é o meu motor

talvez seja até, o meu combustível

E por vezes sinto o enorme temor

de que o fim dela me torne perecível...

Talvez já não saiba viver sem ela

e a sua presença me mantenha desperto

Talvez ela seja como uma aguarela

pintada a desespero no meu deserto...

Angústia! Chocante como uma guerra

que tolhe, amedronta e me deixa alerta

que corta, maltrata, murmura e berra...

E me envolve a garganta, e a aperta...!

Dama de malditos encantos

vestida com decotes de negras rendas

em cujos seios choro os meus prantos

antes de neles colher fartas prendas...

Poesia e tristeza de mãos dadas no destino

dor e angústia embalando o meu viver

muito longe estão os tempos de menino

de quem passou o tempo teimando em crescer...

Nada mais posso eu dizer na sombra deste dia...

Nada mais que não o saiba todo o mundo!

Pois sabem todos que o riso é curto e a dor vicia

E o chão da erva daninha é sempre mais fecundo...!

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 13/03/2012
Reeditado em 17/02/2021
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