Terceiro poema para Ania

Nossas palavras e gestos tão

quietos

Nossos olhos que adormecem nas tardes como os

girassóis

Nossos lábios que dizem sílabas e sons

solitários

Nosso peito a pulsar dentro de versos lindos, meigos

e tristes

como o pungente olhar perdido nas fogueiras acesas

no meio da noite

queimando a vida

logrando enganar as lágrimas

tão só nossos estes soluços

Nossas mãos singelamente entrelaçadas sobre

o nada

Nossos pés a caminhar pelo momento que

escorre

e que me levou até você

e que te trouxe pra mim

Nossa capacidade de acalanto esquecida entre nossos medos e

a eterna sombra

Nossa sede de encantamento e do passo pro abismo inelutável

que é a vida

Por tudo isto, Ania

Te encontrar, amiga minha, nesta tênue esquina do tempo

de memórias furtivas

onde descansam meus sapatos de nuvens

onde passo a limpo meus sonhos de outrora

sonhos onde me escondo desde criança

te encontrar foi encontrar estes tantos sonhos na noite

terna

onde a diáfana luz da lua iluminava teus olhos esverdeados de

menina

O minuano, cingido aos teus cabelos,

deita à madrugada perfumes de roseirais

Me diz, Ania, me diz, em quantos outros milênios brevíssimos já nos

encontramos?

E por quanto tempo vivemos a solidão inacessível da primeira

estrela?

Os dias e os anos caindo gota à gota sobre as nossas pálpebras

cerradas

sobre a nossa espera

num monótono ping-ping

lavando a mudez do eco luzindo na madrugada

Ania, que importam as estrelas se os teus olhos não vejo

na infinda amplidão dos campos de trigo?

Verdes castanhos

Verdes cativos

Como a haste do trigo que ainda não maturou

Teus olhos são o princípio da saudade que eu sinto ontem

e que me leva pelas linhas inconstantes da tua boca ternura

bruma

somente

E se a saudade tem teu nome brincando no meio da rua?

E se é flor o teu nome?

Olhos de jade, as saudades se enchem com as nossas lágrimas

Deita-te aqui no meu peito.

Vem ouvir tanto luar

de uma noite que mora e medita na minha melancolia

nascida da tristeza nos olhos da ensimesmada avozinha

que me diz de sombras e véus do passado que os pássaros

trarão

Ai de mim, Ania, que sou só lembranças

dos tempos que ainda virão