TESTAMENTO

Quem sabe eu pudesse,
num rasgo de genialidade,
deparar-me, por um momento,
diante da única verdade
ou apenas do sentimento
que me coubesse.

Seria um anjo ou as agruras
de um tempo inusitado e doce,
vivido no aconchego do teu colo.
Seria apenas o que fosse:
mero espinho nascido do solo
que herdei de tantas loucuras.

Parte de mim é pura lembrança,
sufocada na angústia da razão
e despejada das alegrias infantis.
Fujo, resgato, ainda lembro o coração
encantado com os perfumes de aniz
que enfeitavam meus sonhos de criança.

Confundo-me em tantos caminhos
que podem me levar não sei onde,
mas que me encantam como sereias.
Quem sabe é neles que o sábio esconde
o segredo revelado em minhas veias
e que me faz assim tão órfão de carinhos.

Não poderei voltar jamais,
fala-me o vento que assobia o passado.
Não serei eu outra vez,
nem que teu abraço me tenha consolado
viverei de novo toda a insensatez
da adolescência de dias tão iguais.

Resta-me, portanto, o que tenha vivido.
Inconsequente, vulgar, homem comum.
Abrigo, desafeto, desafio.
Pouco importa, serei mais um
que ao teu lado, como um fio,
as coisas da vida terei tecido.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 11/03/2012
Reeditado em 25/07/2014
Código do texto: T3548676
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