Um piolho
O que requer a dor
senão colher de chá,
ou remédio qualquer
para a desmemória
que a mulher da farmácia disse:
— Acabou.
E sair assim de coração torcido,
queixo quebrado, faltando um ouvido
é deveras injusto.
Um espelho, um susto!
Custo a crer na imagem.
Vi-me bicho-homem,
bicho-grilo, bicho-bicho.
Capim crescido com cabelos
e daninhas enroscando as barbas.
Um piolho!
Um piolho peregrino de cabeças
aninhou-se por aqui.
Um piolho inquilino
deu de ser vizinho do que penso.
Um piolho sensitivo!
Sentiu-me o peito murcho
no luxo frouxo do andar.
Previu tempestade nos olhos,
chiadeira, falta de ar.
Eis que me tem valido
a pequena praga milenar.
Pequena obra pontilhista,
mas de nada quero sua descendência
pontilhada.
Jamais daria conta
de tantos adivinhos.
Jamais seria uma favela,
cortiço de lêndeas videntes...
Sim, o piolho...
ele se foi sem deixar rebentos.
Foi curar outros tormentos,
clinicar outras cabeças.
Essa, em solteirismo de ilha,
ficou despovoada, filha ao relento.
O que requer a dor
senão remédio na colher de chá?
Acho que o tal desamor
jeito não tem que não remediar.