[Umbral: O Rabisco Esquecido]
[Eu deveria ter deixado este pretensioso rabisco na escrivaninha de Augusto dos Anjos, mas não tive tempo: eu estava ocupado demais, e só pude nascer 35 anos depois...]
_____________________
De pé, parado à porta da rua,
eu firmo as mãos na rústica verga,
cerro os olhos, solto a imaginação...
Sinto o vento que sopra
das ruínas do mundo em volta,
e dos velhos sonhos desfeitos...
O meu passado se amontoa na mente —
taipas quebradas, madeiras apodrecidas,
portas com as dobradiças travadas
pela ferrugem de tantos anos —
esta casa há de cair sobre mim!
Aperto ainda mais a minha mão
na verga da porta, e num impulso,
lanço meu corpo, mas contenho
o ímpeto de adentrar de vez.
Olho-me, olho as minhas mãos,
e num hausto longo, longo,
respiro a minha vida inteira...
Gostava de concluir [e reconcluir] que ninguém me suporta...
Tomara não haja alguém a me contrariar,
pois, para mim,
o nada coa-se do momento que se vai...
De que vale pensar em razões,
vaguear por incertos sentidos,
e até duvidar de estar vivo?
De que vale adiar a festa dos vermes?
______________________________
[Penas do Desterro, 23 de janeiro de 1999.]
Excerto do meu Caderno 2
[Revisitado em 09/mar/2012]