Luz de vela

Luz de vela

acende-se no céu a primeira estrela

a tarde é um retrato 3x4

colorido

num céu tendendo a lilás

num fim de tarde de abril

pendoado

Além da estrela de olhos abertos

arde a chama da vela

bruxuleante

ornada pelo ruído crepitante

do silêncio com que se queima

sob um céu furta-cor

escorre-lhe a parafina

assim como quem chora

uma lágrima quente e constante

como quem chora

uma insofismável saudade de si

assim como a onda indo embora do rochedo

A noite se apascenta dos últimos raios de sol

Tão longe a madrugada

e seus cantares

sabores da poesia brotando

deusa emprenhada do dia

e suas nunças de cor

parece um verso...

é dor!

E a poesia?

a poesia se declama

e se derrama

e me lambuza todo o tempo

A poesia espia

bem dentro do meu olhar

nas tarde de sílabas sibilares

na tarde e seu andar de anjo da guarda

e sua multidão de cores adejando o olhar da noite

A poesia espia as palavras que moram nas ruas

e nos ares silenciosos

moram na chuva miúda

num reino muito falante

é só parar pra ouvir

o diz-que-me-diz-que arfante

entre estes silêncios de agonia

Há palavras que ouvi das velas acesas da infância

nas noites sem energia elétrica

quando o céu era um truque

todo ornado de estrelas

e a gente acendia as velas que embalavam nossos corações

e a nossa imaginação

As palavras das velas se riam de si e de mim

bamboleando ao rítmo da brisa

meu coração tremia completamente nu

sob a indiferença das estrelas

E eu ficava ali, sentado,

ouvindo o que a chama da vela tinha pra me dizer

pensando no que ela dizia

intensamente

colhendo estrelas cadentes

como se fosse a primeira vez

O tempo compulsivamente passando por mim

queimando o redundante

queimando a vela

e acendendo sonhos

que devagarinho

encheram-me a vida de luares

que o vento na chama desenhou

e nunca mais fiquei sozinho