Toada do amanhecer

Segue pela aléia de tílias marchetadas

entoa tua voz

para que ela polvilhe

a neblina espessa do antigo espelho

solitário

avivando as imagens dos poemas no devir

Espera a tarde que zumbe

as cores delirantes do crepúsculo

como um sol tombado

morrendo sob o manto da noite

amarrado aos passos ébrios

do dia que escorre pelas vidraças como um regato

úmido de brancos e carmins

Segue teu caminho de pedras laceradas pela aspereza dos teus nãos

Abranda teu olhar no amor

no grito da vida

na canção flamante da ternura

Acalenta a lua semeando o momento anterior

erguendo-se antiga sobre a vida ressequida

num céu de nuvens rotas

descosidas

Amealha para ti os astros da noite que te velam à beira do caminho

Acolhe a solidão imanente das estrelas

e seus mistérios cintilantes

e seus prantos lívidos

coruscando seus olhinhos silenciosos e profundos sobre ti

Cria teus mundos como se ainda fosses o anjo cálido que habita o teu coração

Segue o sonho que a tua poesia te sugere

assim como um girassol curva-se e segue a luz que o anima

E, então, a aurora dissolverá os véus da noite

que se desmanchará

apertando contra o peito o renascer da Eternidade

sem se ver

olhos fechados

jardim de estrelas tiritantes

réstias de luzes entregando-se ao azul do dia

sideral

oirado pelas luzes da manhã

acordando os nenúfares

sussurrando o vosso olhar

bebendo a escuridão nostálgica

tateando o perfume dos sândalos

entre os afrescos do dia que amanhece

sem gestos e sem palavras

alheio ao vosso espanto

ou a vossa indiferença

o dia

simplesmente acontece

junto com a brisa rubra soprando barcarolas

e o pé marcando contente

o ritmo do dia que amanhece

na vida que vai passando (sozinha)