O coração
O coração é uma gema no ovo;
Preso, mas sanguíneo e maciço,
De uma idéia fecunda e indelével.
O coração é uma barata no assoalho limpo,
Uma luva, numa mão de calos,
Uma pluma enterrada nas dunas;
O coração vagueia desertos inóspitos,
E traz consigo a culpa de ter viajado sem passaportes.
O coração é uma aranha madrasta, viúva, negra;
O coração estica o fio de qualquer sentimento,
E faz dele uma teia, e se acomoda dentro
E consegue boiar na artificialidade de uma idéia.
O coração dorme no peito como
Uma criança órfã,
É um bueiro filtrando guimbas,
Ou um cinzeiro cuspindo cinzas,
Uma casca de noz, sem nós
Com a gente dentro;
Casca amarrada em nós indesatáveis,
O coração é uma flor que sorri
Num vaso d’água,
Uma bailarina sem a perna esquerda,
É uma bola de fogo, de sangue,
Bola de vôlei que passa de mão em mão,
Bola, bola que bate no chão, no ar, no chão,
Bola, bola de fogo e sol, sol girando
Pôr de sol, sol sem se pôr
Em nada, sob coisa alguma,
Em tudo, um sol girando num estranho universo chamado
Peito.