O Relógio no Divã de Sigmund Freud

O velho tic-tac daquele relógio

está sempre conversando comigo.

Foi um idioma que aprendi

ouvir e decifrar.

O antiquário é um médium que incorpora

o avô que não conheci em carne

e a zelosa mãe que morria de amor por ele.

Pergunto ao relógio como era o avô.

Ele próprio, o avô, incorporando no objeto

responde:

- tic-tac, procurei ser bom homem

e como todos fui justo e às vezes injusto!

Outras tantas quando posso pelo marcador de horas,

ele é a mãe que se incorpora e como sempre está

ordenando:

- tic-tac, tic-tac faça isto, não faça aquilo!

Pergunto então ao espírito incorporado:

- Você me amou?

Não ouço nada a não ser o vazio

e o contínuo tic-tac.

Irritado e magoado vou até ao objeto

e paro seu pêndulo.

Fica só o silêncio da sala

e as memórias trazidas pelo relógio.

Quando me acalmo, ponho-o a funcionar...

O relógio torna-se assim

a presença masculina do avô

naquele ambiente de estar.

Tic-tac,

Tic-tac,

Tic-tac...

…e o feminino deixo a cargo de Sigmund Freud.

L.L. Bcena, 11/08/2000

POEMA 745 – CADERNO DOS ANJOS.

Nardo Leo Lisbôa
Enviado por Nardo Leo Lisbôa em 05/03/2012
Reeditado em 20/12/2017
Código do texto: T3537162
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