Caixa das Horas

Eu, criança.

A mãe falava

daquele relógio

(sua língua girava

como os seus ponteiros),

caixa preta – marrom, grande, murmurante:

- tic-tac, tic-tac,

caixa que a toda hora

cantava as horas:

- foi de seu avô!

- ele é alemão.

Toda noite ela,

Zelosamente / a mãe /,

Religiosamente / o relógio /

Carinhosamente, / aos orifícios /

dava cordas àquela caixa

e à imaginação:

- não pode deixá-lo parar,

- tem que deixá-lo dez minutos adiantado,

pois mineiro não perde trem.

Ao cuidar da máquina,

ela cuidava do pai / avô /

e neurotizava o filho.

Cresci absorvendo

o respeito pelo relógio.

Recebi de herança

a máquina e o martírio.

Cuido do relógio

ouvindo os seus imperativos

em tic-tac:

- tem que dar corda no relógio!

-tem que deixar dez minutos adiantados!

O relógio tornou-se

o ataúde

preto-marrom

que guarda meus fantasmas;

o alaúde

de neuroses,

a caixa que conta as horas

em segredos e pecados.

L.L. Bcena, 11/08/2000

POEMA 744 – CADERNO DOS ANJOS.

Nardo Leo Lisbôa
Enviado por Nardo Leo Lisbôa em 05/03/2012
Código do texto: T3537137
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