Momento
Amei
e na ternura do amor
os dias fizeram-se suaves
brisa soprando do mar para a terra
breves canções
rumores de mares
verso candente do vento dedilhando cantigas de amor nas frestras dos vitrais
assoviando, comovido, meigas cantatas de silêncio e de distância
E pus-me a declamar os versos que ouvi no silêncio se derramando sobre a vida
com tessituras ouvidas ao vento e sua boca de mel
e em todos os sonilhos de amor e de poesia
com os quais elegi palavras como se nunca as tivesse ouvido,
como um sentimento novo e desconhecido:
afeto
amor
amizade
ira
cumplicidade
sinceridade
respeito
ausência
paixão
solidão
palavras trinando nos instantes das luas desvanecidas
As palavras
se desprenderam da lua e desceram sós pelos rios
deixando a vida desassossegada e desatenta
ficando tão pouco para dizer
ficando tanto para calar
e esquecer
Guardei nos lábios a umedecerem as horas das minhas noites
a redescoberta da poesia e do canto das palavras
que passeavam em teus olhos
pássaros das tardes
infinitudes
girassóis flamantes
ávidas janelas por onde a névoa juntava-se ao teu perfume
fazendo do dia saudade
fazendo da vida uma sucessiva saga de cálidas eternidades
Ah! quanta cantiga nas manhãs do nosso sonho
nas manhãs antigas a arder um novo dia
a urdir a vida nova
semente de poesia
num céu menino dissipado em meiguice
consumido em nítidas luzes da manhã que as tuas mãos tocaram
e desfeito no passado que se recusa a me pertencer
que se distende para além de mim
e fica em mim, como num jardim, a flor silenciosa desta poesia sem fim
deste renascer palpável na solidez dos ventos e das lágrimas
Te amei na sozinhês do tempo lírico que te ocultava
no calor vermelho da argila
ilha serena e leve
dos sentimentos humanos
peregrinos
Amei,
mas amar não é o meu destino
caminho solitário para as árias dentro do sol
no murmúrio da tua voz a minha voz de menino
sussurro no ar
ensimesmado
sozinho
apreendo a demora do Tempo
da expectativa do amor pulsando do lado de dentro
do incontável não ressoando do lado de fora
Amar é aroma do verso
poesia
coisa engraçada
coisa pressaga
é escrever sobre as areias
sob os ventos na praia
escrever com a ponta dos dedos
nas manhãs onde bafejam-me as rosas
e tudo parece cuidar desta harmonia
que os teus braços envolve
meu espanto
meu riso
meu sonho
minha solidão movediça
meu mundo bipolar
azul e negro
o Tempo
e seus incontidos preceitos
As noites murmurantes
sei-as de cor
lagos antigos
impermistos
mandalas do medo
incendiando as luas e os desertos
por onde me perco
sabendo que também perderei meu precário mundo
perderei a voz bem pouca que já não tenho
A vida e o amor, por serem assim tão delicados,
morrem de imperceptíveis sutilezas
Amar não é o sopro com o qual fui ungido
e o verbo transmudado neste lirismo
aleivosia
lamento
tem um vagaroso desejo imanente na lua que eu rabisquei
que é toda esta vontade plangente
de perpetuar, em mim, os versos que se fizeram
nos dias nos quais te amei.
(Sem ser amor algo
de ti ficou comigo)