Minha alma, Babilônia,
estala na arquitetura da retina o cio da procura.
Desliza o veneno-marinheiro pela veia,
centelha a me conduzir.
Minha alma, Babilônia,
em seu curso impreciso
por não ser exata,
assim como toda alma humana,
complexa e bifurcada.
Minha alma, Babilônia,
enraizada, arquétipo
transcendendo a razão
mecânica das células.
Minha alma, Babilônia,
esforça-se por não ser apenas cio,
ramifica-se, imperfeita,
imersa no abismo que é o meu peito,
poço sem fundo,
de não sabê-lo, completamente,
perco o chão e crucifico em meu dorso
negras asas.
Minha alma, Babilônia,
infinita,
é um avesso sarcástico da carne
putrefata e transitória.
Ah! Minha alma, Babilônia!
Confusa? Nem tanto!
Subjetiva, múltipla e humana!
(Lady)
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Comentário do Jô:
Lascívia viva, este poema é uma avalanche de sentimentos composta de palavras puríssimas, que nos arrastam em desespero irreprimível pelos becos, salões, corpos quentes, em síncopes trágicas, em gemidos torturantes, tudo sob a noite seca e a lua trêmula. Trevas pulsantes.
O poema transcende o erotismo para se projetar como fábula grávida de símbolos, mitos e alegorias subjacentes e reinantes em nós. Texto que pulsa milenarmente.
Ancestralidade latente. Antenas da onticalidade. Infinita felicidade.
O trabalho da autora com a linguagem, polissemizando-a com surpreendente vitalidade, intensificou a dinâmica sentimental dos interlocutores.
E eis-nos envoltos com: fantasia e desilusão, mistério e revelação, essência e aparências, discurso e liritude, desprezo e piedade, confissões frágeis, sonho sem posse, máscaras sem face, céu e solo, abismo em alegria, destino entre estrelas...
Enfim: temor, tremor, instinto, defesa, medo, atração mística, capitulação feliz - a fascinante trajetória dos homens.
Assistimos aí uma alma se entregando, em prece singular, à vida, aos instintos, aos sentimentos mais desvairados porque em liberdade.
Poema tênue, palpitante, delicado, inventivo, desolador, consolador, surpreendente, alado, sub-animal, humano, angélico. A ficção que convence como ficção, porque verossímil ao nosso espírito.
E que a tua aflitiva solidão, incorporada em definitivo pela tua arte esplêndida, continue a nos presentear com mais obras-quase-primas como essa.
Nunca serei o mesmo após este poema.
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