PANFAGIA

Consumi já

Os tacos do teu tamanco

As manchetes do jornal

Os pneumáticos do ônibus

Os mancais e xícaras.

Devorei também tua calcinha

Com rodas de bicicleta

E fatias de mussarela.

Devorei as teclas do meu computador

No repasto matinal

Precedidas de Lamitor,

Respiridona, Depakeni,

Com biscoitos de Rivotril

E cloridrato de Sertralina diluídos

No café com nicotina.

Após, devorei vorazmente meus dedos,

Minhas mãos e antebraços:

Os membros inferiores deixaram-me farto

Quando refogados com notícias

Que nos absolvem a falta de assunto.

Devorei também as engrenagens do relógio

Para lembrar que o tempo foi-nos doce

E a esperança feneceu a muito.

As letras de tintas fortes

De anúncios e necrológios,

Junto a todas as imagens sacras,

O ouro ordinário dos alforjes,

Eu degluti com moedas e impostos.

Também engoli a opinião sempre sobeja dos leitores

Não olvidando o arranjo floral da mesa do jantar

Onde a família se reunia pomposa

Na noite que se perde no buraco sem fundo

Do tempo, no outro lado do espelho

Onde as memórias jazem intactas e clandestinas.

E por fim o Tempo mesmo, com sua boca funda e negra

Devorou-me a mim, por inteiro, metafisicamente,

Até que a terra se me fizesse leve

Como jamais o fora

A vida.

(29-02-2012)

Valmont
Enviado por Valmont em 02/03/2012
Código do texto: T3531832
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