Outra margem
Não me disseram nunca que era
assim tão absurdo
nunca me fizeram entender
que poderia ser assim
tão absurdo
O mundo que se me circundava não dava mostras
de que o que não diziam que pudesse ser
já tivesse sido algum dia
E eu nem aí
Os morros subiam
os meninos cresciam
dona Preta assava biscoitos
dona Preta morria
e o mundo inteiro devia nunca
ter feito mais que nove anos
naqueles meus nove anos
trinta e nove anos
Manhãs nasciam
rios desciam
não sabiam de mim
a gota
a parte
o redemoinho d’água
que nunca não voltava
nunca
as notícias de lá
de curvas
de troncos
e inundações
nada não voltava
houvesse notícias
não mas davam
E não fui
Nunca fui sempre assim
Mas nunca fui sem saber
do lado de lá o quê
Eu não ia
Do lado de lá sempre ouvia
Sempre soube em sonhos sempre
Uma terceira margem de rio
Que espalhasse lua como em algum pedestal
Uma imagem qualquer de lua
que dourasse-lhe a face
o rio
e implantasse-lhe dentes
o rio
longos dentes
e a lua
talvez a lua
pudesse até
se chamar
qualquer nome
qualquer
seria
é
sempre a lua ideal
E quero morrer de mato
quero morrer de lua
quero morrer de rio
morrer sereno
morrer de mato
morrer de lua
morrer de rio