Outra margem

Não me disseram nunca que era

assim tão absurdo

nunca me fizeram entender

que poderia ser assim

tão absurdo

O mundo que se me circundava não dava mostras

de que o que não diziam que pudesse ser

já tivesse sido algum dia

E eu nem aí

Os morros subiam

os meninos cresciam

dona Preta assava biscoitos

dona Preta morria

e o mundo inteiro devia nunca

ter feito mais que nove anos

naqueles meus nove anos

trinta e nove anos

Manhãs nasciam

rios desciam

não sabiam de mim

a gota

a parte

o redemoinho d’água

que nunca não voltava

nunca

as notícias de lá

de curvas

de troncos

e inundações

nada não voltava

houvesse notícias

não mas davam

E não fui

Nunca fui sempre assim

Mas nunca fui sem saber

do lado de lá o quê

Eu não ia

Do lado de lá sempre ouvia

Sempre soube em sonhos sempre

Uma terceira margem de rio

Que espalhasse lua como em algum pedestal

Uma imagem qualquer de lua

que dourasse-lhe a face

o rio

e implantasse-lhe dentes

o rio

longos dentes

e a lua

talvez a lua

pudesse até

se chamar

qualquer nome

qualquer

seria

é

sempre a lua ideal

E quero morrer de mato

quero morrer de lua

quero morrer de rio

morrer sereno

morrer de mato

morrer de lua

morrer de rio

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 02/03/2012
Reeditado em 02/03/2012
Código do texto: T3530122