O confidente de quadros
De ti mulher, nunca verei o rosto.
Sei que tens um desgosto
porque olhas o canto escuro do quarto.
Dá-me as costas sem motivo aparente,
indiferente aos argumentos meus
que passam lisos sobre tinta a óleo.
Sim, eu sei...
Esse acastanhado cabelo que lhe corre os ombros
encobre assombros de outros tantos dias.
Sim, eu sei...
Traz o fardo de Marias
e alegrias mortas no declive do tempo.
Esse vento que lhe apraz as costas nuas,
vem de luas imaginárias, indulto de tuas lutas.
Pende os braços ao chão,
como se em oração ao solo
buscasse extrair o fruto já maduro
de um futuro cerceado a paredes.
Vedes, a claridade está ao lado.
No aladeirado de tuas curvas,
cetim grená repousa à região dos pudores
que se vistos, calores, quantos calores.
Sobre amores reflete
e em sua matemática soma, sete.
Um pecado para cada capital.
Sente-se mal, deseja comungar,
limpar-se da sorte atroz.
Tua voz não me pode alcançar,
mas sei de ti apenas quando pensas.
Nessas palavras supensas,
decifro tuas injúrias, tuas manias e fúrias.
Prevejo tuas tempestades
e tardes ensolaradas.
Pudesse desencantar essa moldura
e findar o outono de tuas cores,
desceríamos nesse rio de dulçores
para bater às portas do mar.
Sim, lançaria-te àquelas águas,
para que com elas reaprendesse a amar.
Nota: Creia-me, um quadro desabafou comigo!