Pobre-diabo
Hoje bem cedo indo para o trabalho
encontrei o Diabo na esquina.
Em um redemoinho mocho e confuso
o Coxo estava maltrapilho e sujo.
Pedia esmola o pobre-diabo,
mendigava com olhar meio lunático.
Lembrança que tinha do cujo
era de um rapaz alto e bem apessoado,
usava chapéu preto e terno risca de giz.
Foi ele quem me reconheceu,
dos tempos de cortejar
as normalistas do antigo Liceu.
Chamou-me pelo nome, o boca banguela
riu-se e disse: sua alma devolvo
se pagar um pingado.
Sete-pele faminto choramigas contou
estava há muito tempo desempregado.
Couro e osso, Ferra Brás tartamudeou.
Envolveu-se com crack e outros babados.
Caminhamos até o Mercado Central,
paguei-lhe café com leite, com cobiça
pediu empadinha de bacalhau.
Mas camarada Pé-de-bode,
se há tanta crueldade no mundo
como seu negócio foi mal?
- Diacho!! respondeu irado o Cramulhão.
Eu não tive técnica, não acumulei capital.
Comprar almas, tentar inocentes
e assombrar quem já vive fatal
não valem royalties ou rende milhão.
O homem malino industrializou
a indiferença, o desamor, a descrença
faz parecer a maldade normal.
Fome , poluição e violência
é coisa corriqueira e banal.
Concorrência não faço com o desumano
tudo é on-line, mecânico e customizado.
É guerra, é monopólio, é patente
wall-street agora está no comando.
São tão espertos esses bonecos de barro,
tinhosos discursam que esse sistema é imutável.
É crise nos esteites, é radiação nuclear,
até a velha europa parece afundar.
Miséria, devastação e fundamentalismo,
tudo que é sólido se desmancha no ar.
Não tenho mais utopia, o homem
coisa-ruim tomou meu lugar.
Anjo caído duas vezes.
Perdi a fé, não confio em ninguém.
Nostradamus e o calendário Maia
não valem vintém.
A espera já não suporto,
choro, ranger de dentes
e a mais-valia nunca tem fim.
O engenhoso gênero humano
basta para fabricar inferno pra si.
Do jeito que vai, indigente volto pro céu
talvez lá ainda precisem de mim.