Aurora*
Aurora
sempre vinha como
a aurora nascente.
Aurora,
moça quase mulher,
queria se libertar,
desabrochar e se mostrar.
Aurora,
vinha além da manhã.
Vinha à tarde e à noite
sempre que podia.
Aurora
vinha à hora
que fosse
e pudesse escapar.
Aurora
chegava, tirava o tição
do fogão à lenha
(o gás era raridade no interior das Minas)
e acendia seu cigarro.
Aurora
era moça quase liberada,
seguia cartilha que ensinava
o ‘beabá’ da emancipação.
Aurora
lia revistas de fotonovelas:
‘Sétimo Céu’, ‘Capricho’
e outras mais inocentes
que a censura podia permitir.
Aurora
lia contra a vontade de seus pais
(os bons costumes condenavam
moças recatadas a sonharem
conforme as brochuras exemplificavam)
Aurora
tinha pais que a queriam
moça para ser mulher
de cama, mesa e fogão
(boa governanta e guardiã)
para o marido burguês
(moças para a sociedade não liam estas coisas
e sim o semanário “Família Cristã”,
bênçãos de Maria que quer sesmarias ).
Aurora vinha...
Às claras, era moça virtuosa.
Às escondidas fez a revolução feminina
(só eu sabia seus segredos, verdades e mentiras)
na década de sessenta do século já morto.
Aurora
Não veio mais.
Cansou-se de fugidas e rebeldias
(seu tempo estava passando).
Chegaram os anos setenta.
Aurora
casou-se para ser mãe de família.
A partir de então, só a aurora nascente
vem metodicamente em cada manhã despertar outras
Auroras
de novos tempos e costumes
a revolucionarem manias e modismos
conforme as revisões e visões.
*Vizinha na década de 1960. Ela, adolescente e eu menino que a tudo observava.
L.L. Bcena, 29/08/2000
POEMA 726 – CADERNO DOS ANJOS.