Verdade

Eu nada sei da verdade

Eu nada sei do antes insidioso

do mar

eterno vate

de homens e de almas

confundindo

as suas águas

com as minhas mágoas

espuma das ondas aladas

a procura de um céu

para morada do canto e do silêncio

margem imperfeita do tempo

Obscuras são minhas certezas

resgatadas pelo vento vermelho

que sopra entre um poema e uma morte

dos versos ocos e mudos

sem nome

sem tempo

ilhas

de um efêmero oceano

surdo

para que eu possa chorar sem constrangê-lo

Na noite com seus poemas falazes

impudentes

repousa o gesto incipiente

ave implume

o vôo extenso que se projeta

na atmosfera brumosa

Eu nada sei da verdade

Do êxodo em meu coração

Nada sei da criança

que por e pela terra vivia

com seus pés vermelhos

quando no barro chovia

amalgamando as almas

na greda friável, macia

Um dia verás que Deus

é um aturdido pensamento

e de pouca ou nenhuma valia será

a inquietação da verdade

O vento que leva a folha

por outonos de esmaecidos vermelhos

e os seus troncos de lata e zarcão

cria ânsias de miragens de sóis irisados

furtivos

mudos

em chamas

A verdade não está na palavra

e seus sentidos inconstantes

e dúbios

A verdade pode estar no

exílio da tarde

para que a noite se distenda

e trace com seus gestos negros

o caminho miúdo das estrelas

Pode estar

no rochedo consumido

pelo desassossego das águas do mar

Na praia deserta onde possa se descansar o destino

Sob um céu recluso

No rio

No amanhã

Pode estar na tua sorte

No nascimento

Na morte

de tudo que acreditavas

quando semeavas

teus pomares

de tempos

e incertezas

Da verdade eu nada sei

Me diz o sortilégio:

é tarde

É quase hora de voltar pra casa

Às vezes ouço esta voz de argila

infinitamente mistério

semente

ternura

Às vezes não ouço silêncio nenhum

A alma desabitada

Eu, sem caminhos

sem verdade

lua

sonho

sopro

cadência

segredo

noturno girassol

pássaro

medo

urdidos nesta agonia