Seis quadrinhas para o mar e uma reflexão

Qual o sentido do mar

todos os dias

passar na porta de casa

sem nem sequer me olhar?

O mar que dorme sobre a pedra

fremente

não é o mesmo mar

que chora a solidão da gente?

Quem acendeu no mar sua centelha de espuma

toda incendiada em ventos

em aflição, longe o grito, esperando

que eu lhe ouça os sentimentos?

Longe o grito,

longe o mar

Senhor calai minha voz

Senhor me deixai chorar

Caminha o mar na transparência da areia

distâncias de sal e de granito

caminha e apreende o lugar

incomensurável, bonito

Amanhece o mar na baía

e dentro dele amanhece o dia

é tempo de violetas nas janelas

é tempo, em nós, de poesia

Há um momento infinito em mim

quando fecho os olhos

no qual pousam mares

e gaivotas

réstia de luz

dentro de um prisma

e bebo areias

na concha das minhas mãos

e, então

tudo o mais é de outros tempos

espanto, medo, silêncio,

a poesia não feita

o antigo e intenso desejo de voar

gostar de ti

beber minha dose diária de cicuta

morrer

reviver

reatar o conluio com a vida

remorrer

impune e repetidas vezes

indubitável como a imagem infante

dos olhos remelentos da névoa das manhãs

o mesmo ramerrão de se abandonar

ao choro que atravessa os dias

mascar o sacrossanto grão de solidão

e ouvir a chuva e o vento tamborilando e assoviando

no telhado

azulando e encantando as tardes crepitantes e mornas

como as nuvens e seus berloques aquecem e enfeitam

os jardins com seu poeta em cada flor