A rosa da noite

a rosa da noite

no campo de flores

confundida

meio triste

feito um espúrio mundo

o coração desfeito

grão de pólen

suspendido na crisálida

do vento que vem do mar

suspira

enquanto anseia

os beijos da madrugada

e o orvalho

que as águas tecem

de um infrangível olhar

que se comove à espera do beijo

convertendo em poemas as lágrimas roubadas

dos olhos de um anjo visto na terracota de um céu errante

e a rosa, no campo de flores, calada, chora a pena dos alaúdes

chora sua côdea de dor

sob um céu constelado e pintalgado de ledos pontinhos tiritantes e azuis

no campo de flores

a lua fura o ar de invisíveis véus

estilhaça o escuro da insônia que a envolve

ferindo de prata o campo incendiado de negro

na noite pintalgada de olhinhos irisantes

folhas caem à passagem do vento

e no manso múrmurio do cair das folhas

dormem os pássaros e as abelhas

dormem as vidas e os rios

dormem os perfumes da mata

vígis, velam os corações vazios

ai, morena

vem comigo

ver as estrelas em flor

nesta noite irisante

onde tudo é suave eternidade

embriagando as nódoas destes esboços de amor

agora

nos lábios rubros da aurora

nas brancas mãos da ternura

a rosa e o dia amanhecem

a rosa se cobre do pensamento de Deus

reverdecendo sensata

na inocência que as palavras tem

no seu perfume quase humano

na sua candidez ungida pela alquimia

amanhece o mundo onde serei

terra

vinho

mel

loucura

campo de flores

gerânios

melancolia

desespero

geometria

trigo

farinha pra

poesia

(...)

a rosa...

a rosa, enquanto a noite dormia,

entregou suas pétalas ao beijo da solidão

ávido mar

atordoado poema

absorta ao nascer do dia

o destino entrando pelo campo de flores

a rosa se redime

estremece

um breve suspiro

esquece

formosa

perfumosa

a esperança inaudita

a vida é o entardecer de um momento depois do outro

o sol se avizinhando de mansinho

acordando o campo de flores

morrendo dentro do mar

a vida é a poesia tão densa

que basta um tremor pequeno

para que a lua derrube o céu

a vida é bicho

é enfeite

é namorar na chuva

estro falaz

aroma de flor

a vida só vale a pena

se a gente morrer de amor

(e tudo dentro da noite, e no outro dia, era a mesma poesia)