Máscaras

no engodo das máscaras que a vida trama

no inquietante segundo que as máscaras escondem

as imagens refletidas nos espelhos

falseiam as fulgurações da alma

transmudam-se em sombras

esgueiram-se por entre o vento surdo e submisso

fogem das fissuras por onde vaza a luz

escapam aos olhos febris do medo e da culpa

diluem-se

no asfixiante silêncio das ânforas veladas nos vales escuros

não há verdade nos seres que as sombras plasmam

nas formas úmidas da fauna humana

na memória refratária da impiedosa vigília

fragmentos seculares

insidiosos mundos de estranhos mitos

enredados em sórdidos solilóquios

vestais da alma

dos oceanos

das terras poeirentas

da sede fosforescente

perdidas na morosa viagem

onde ouve-se o vácuo dos passos em pleno mar

onde assolam as máscaras de degredo e ódio

velhos hábitos dormentes flutuando insuspeitos

as velhas mãos sobre o peito

os gestos lentos de quem tateia a mesma melancolia

os sonhos desfazendo-se em febre e ácidos

a sede de cicuta molhando com saliva os lábios ressecados

esquecidos da simplicidade do beijo

do questionamento dos indecifráveis dias

quanto tempo vai-se esperar até ruirem os espelhos?

e o desmoronar das sombras?

até quando a vida será construida nos soluços da areia apenas?

a vida sedutora da persona refletindo o nada

a ilusão dos outros tantos dias tão iguais ao nada rasteiro e vulgar

o inescrutável caminho incendiado de equívocos

as serpentes enlaçando as nódoas de luz

rastejando sobre a borda da máscara que irrompe do delírio

onde a vida escoa voluptuosa

não sinto saudade dos meus olhos refletidos no espelho

sinto no peito a tua ausência sem partir no dia opaco

a tua voz solfejando a esquecer-me

vou por estes caminhos sem regresso

meus passos ardem nas campinas de flores

avanço por entre o campo de açucenas

a tarde se esvai em gestos lentos

pende do céu entorpecido um esgar de sóis em desalinho

a brisa, invisível presença,

anônimo barco, aflora-me o rosto

lembro-me de ti

deponho a máscara

deitam-se os cansados dias de infindáveis alegorias

prostra-se a minha ignorância sobre a poeira dos pedriscos

e o rastilho do outro lado do espelho mente a verdade pressentida

templo de engodos

prisioneiro da cegueira sulcada nos caminhos a nos guiar

esquecido da sua própria morte

o tempo cobre-se de de revelações

a tarde pulsa incessante

as luzes lentamente desvelam o meu verdadeiro rosto

a primeira estrela deambula pelos céus

as cores desmoronam no rubro horizonte

a criança que fui renasce em mim

o espelho quebrou-se

o destino desenha em mim a solidão

definitiva

cordel imanente de minha alma

o vento a zunir debrua com cânticos o entardecer da memória

com as minhas mãos cegas

ofuscadas pelas irisantes luzes da verdade

amalgamo o barro matizado pelo pó de estrelas furtivas

e começo

lenta e minuciosamente

a construir a primeira noite da minha vida