Fuga
A criatura que aterrisa no balcão da pia
é uma coisinha de cêra rosada e transparente.
Os olhos bolas pretas, esbugalhados.
Os dedos estirados agarrando o mármore,
o corpo tenso e inerte, alerta.
A tua fragilidade e a tua pequenez
me comovem até o útero.
Mesmo assim (ou talvez, por isso mesmo)
você não cabe na minha vida.
Eu ofereço uma ponta de revista,
carona de volta à varanda.
Ela dispara parede acima, rumo a cantos escuros,
becos sem saída.
Sinto uma pontada quente de remorso.
Nalgum instante da vida fomos todos assim,
fetos espantados
apostando na tensão de superfície.