à sombra da cananga
na trama os gritos se misturam aos bichos
o sol queima o pasto onde caminhava o grilo
que há pouco viu o esqueleto de duas aranhas
esmagados pela sola da sandália havaiana
de uma menina com no máximo cinqüenta quilos
a olhar as pessoas com os desejos do espírito
tinha respingos d'água nos ombros e cílios
sem pressa
não estava certa se aquilo era real ou delírio
mas ultrapassava os limites do curral com firmeza
a pés que não tinham a aspereza das ideias
que riscavam a terra no alfabeto da experiência aberta
como quem deixa uma carta antes do suicídio:
"aqui estão os melhores anos da minha existência"
vestia a canga lisa e marcas de nascença
no passo
levantando poeira com os pés no batuque
que emerge da terra artificial
as luzes confundem a turba que grita e pula
cujo pranto e o suor dividem o sal
as pedras é que sabem sob as caras nuas
refletidas na lama e no caos da bagunça
minha e sua a esperança na dança de ser
eterno