Lendas

Eu posso ver a vida

que deveria ter sido,

o caminho a ser percorrido,

o fato a ter acontecido

e o corpo a ser despido.

Tudo vejo sem ter ido.

Tudo sei sem ter sabido.

Eu sou o deus esquecido.

O deus não querido.

Eu sou Prometeu. Eu sou Hefestos,

príncipe nefando do sub-mundo.

Habito o Profundo

onde escrevo um preto poema

enquanto espero outra vida pequena.

Lendas não vivi nos Quinto dos Infernos

e os amores foram invernos.

Parnaso não conheço

e as Graças desconheço.

Um dia amei certa Musa,

mas o amor me foi tirado

por um gênio inexplicado.

Tragédias escreveram,

mas poucos entenderam

a dor que vai além dos livros.

Poucos foram os divos argivos.

Os Homens que vieram,

deuses se quiseram

e a Dionísio se deram.

Do barro que eu os fiz,

já nada mais se diz

(o que será ser feliz?);

e quando nasce cada Aurora

julgam ser a dourada hora

e se encharcam de vinho

e olvidam que sou

um poeta sozinho.

Eu sou Homero

escrevendo outro

pergaminho.