Eterno

Silêncio...

A manhã ainda vislumbra no céu os últimos sonhos da noite

quando a brisa acorda os girassóis

reclinados para a luz segregada pelas fragrâncias da noite

O dia desponta integrando-se aos sussurros

que as estrelas murmuram

lábios rubros de ilusão

Percorre as linhas indefinidas da tua silhueta

como a uma ilha em um mar de noturnos véus incandescentes

Estremeçe-me o olhar na irisante manhã ávida de eternidade

Chamo por ti

Muitas vezes chamei por ti

Não vens

Nunca viestes

Outrora houvera um mar para acolher a ti

e a tua lua enclausurada num céu que se transmuda em sombra perecível

a refletir seus lumes e ecos imaginando os dias ausentes

sem ninguém

Um mar para espargir a noite lentamente

na inquietude que me esperava como um cais inundado de memórias

e lembranças do tempo em que te conheci

Um mar tartamudeando sons de uma aurora fulva

na travessia perene dos pés descalços de um anjo

Arredando os liames dos trêmulos segundos

O ininterrupto marasmo de ir contando os dias no calendário

como se o tempo existisse e incessantemente não esperasse por nós ali adiante com sua insustentável sentença

O ar e a luz do sol de fevereiro penetram pelas janelas revelando o céu escondido nos sons translúcidos das águas serenas que escorrem pelas mãos da manhã e no fogo das esquecidas estrelas errantes

Murmuram poemas no vento purpúreo

Líricos poemas de tempos antigos e distantes

Amarelecidos sudários a cobrir os medos e as dúvidas

Estalam preces para o despertar do dia

cujo único ofício é o de predestinar a minha morte

Apesar da tua ausência não me sinto sozinho

Teu nome pernoitou dentro de mim

A luz e a ausência da luz tecem a mentira das horas

que enforcam a vida

latejando sob os meus pés o impulso para o salto...

para a morte

De mim nada mais restará quando me for

do que as flores brotando e sucumbindo

antes que a primeira pétala ensopada de luz e vento toque o chão

O olhar de um sol se pondo arrastando as noites que penetrarão

as janelas que deixarei abertas

E a brisa trazendo o perfume dos jasmins

atravessando a penumbra

do segredo

e da desolação

diluidos

no sono

na solidão

da qual me fiz

fuga e omissão

esperança e dúvida

Visão magoada de um sonho

Na irisada pele do tempo

a manhã esqueceu o meu nome

Silêncio...

O silêncio se ergue rente à morte

O chão é cinzas

Perenes cinzas e presságios

A alma, enclausurada, indaga mistérios à voz do vento

O mistério ameaça ruir

Infindo é o sono daquele que dorme o sono dos espelhos

O regresso, lento sono, pressente a brisa na noite revelando as imagens ilusórias

A morte anoitece devagar sobre mim

Abro os olhos para o imenso vazio

Espoliado do "meu" mundo

Meu nome não é mais meu

Meu coração, que nada possui, partilha o abandono de ser eterno

Minha alma lê as imagens refletidas nos espelhos

Silêncio...

Só o vento sopra...

Cantando lindas e cativantes canções

Sonolento, do outro lado do espelho,

o dia acorda acendendo

o sol espelhado de um outro mundo

onde livre, recriada, minha alma pulsa sua essência

Andorinhas passam em bando

levando consigo os prelúdios da manhã

acordando os girassóis

o mar

a corola rubra do horizonte

e a minha alma

inefavelmente

eterna