SONHO DELIRANTE
GILBERTO BRAZ ALMEIDA
Sonho delirante, roto,
às vezes remendado,
quase sempre atrelado;
vítima dos desencantos,
repartido em alas secretas,
em amargos mistérios
numa via cruciante
do começo ao fim.
É como sonhar e ao mesmo tempo
ser passarinho preso na gaiola.
Do lado de fora uma criança vira gato,
quer comer o passarinho.
Tudo passa num segundo delirante.
A cama na gaiola vira uma nave.
A nave se perde para além das nuvens...
Eu sou a poeira fina desse sonho,
o passarinho que fugiu da gaiola
hipnotizado pelo gato.
Pouso numa árvore de concreto
e no galho mais alto da árvore
entre folhas de vidros
espelho-me no passado,
contemplo o futuro...
Sinto náusea!...
Vomito o que há nas minhas entranhas
sobre o meu presente em plena ebulição.
O meu nariz aponta na direção da morte...
Digo do norte, ou do sul,
é tudo a mesma droga!...
Lá vou eu peregrino
tentando espantar o lobo
que não sei de onde veio
e pra onde vai
pois por aqui não há lobos,
nem neve...
A paisagem que vejo
é formada pelas árvores do medo.
Sobrevivo numa noite sem luar,
sem estrelas, de chuva sem telhado,
sem a melodia das goteiras nos beirais...
Amanhã talvez,
serei o infinito de mim mesmo...
Se ainda me pertencer,
nada quero senão,
ver o sol de um novo dia
e no raiar das luzes magnetizadas
quero abraçar a minha sombra
e juntos caminharemos
para uma outra gaiola..
Lá serei um outro pássaro,
talvez um canário, ou quem sabe, um curió...