Carnaval, Carnaval
No carnaval que passa em mim,
Quero-quero, sinhoras e sinhores,
Desbaratinar nos corredores,
Fazer chover nos elevadores,
Dá piruetas na Av. Presidente Vargas!
Não sei bem porque, mas quero...
Mamãe me disse que sou artista,
Ainda que feio, ainda que pobre!...
No carnaval que passa em mim,
Quero-quero profanar o sagrado,
E sacralizar o profano
Bendizer o poeta maldito
E canonizar o bêbado sicrano.
Aquele perdido no meio da rua
O mesmo que passa pregando "A Palavra"
E profetizando o amanhã de nossos
dias apocalípticos!
No carnaval que passa em mim,
Quero-quero dizer tudo quanto é besteira,
Queimar a língua, tapar o sol com a peneira,
Quero sorrir, chorar, me estrepar nas estribeiras,
Levar na cabeça abacaxis e bananeiras,
Quero-quero alegria-alegria, saracotear nas ladeiras,
sem lenço nem documento
na beira
das estribeiras!
Mamãe, hoje eu não quero ser santo,
Nem vocação eu tenho,
Ainda que admire e reze todos os dias
Por Nosso São Francisco de Assis,
E Nossa Sinhora da Aparecida.
Só ele punha tanto passarinho na mão,
E só ela pra perdoar tanto pecado, mamãe...
No carnaval que passa em mim,
Quero-quero lendas caboclas, orixás,
Cirandas e maracujás
Palmeiras adoidadas, fulôres, meus sinhores
e fitas multicores
só pra fazer sorrir a menina Sivirina
que passa fome todo ano
e num tem no prato gelatina.
Quero-quero bumba-meu-boi no terreiro,
Puxá peixêra de Lampião,
Rodar doido-doido no cerrado, fazê arrumação!
No carnaval que passa em mim,
Meu lirismo não cabe num só peito,
E ameaça estilhaçar, se repartir,
A luzir nos cabelos de Maria
E rebrilhar nas banda do Piauí.
Quero-quero o som alegre dos pífanos
o zabumbar da zabumba
seu Zé do Pife e as Juvelinas
tocando os coco por aí
o pandeiro de Zi Vitinho
e as macaquice do Thubin!
No carnaval que passa em mim,
Quero-quero explodir em sete cores,
ser um sol estilhaçado
só pra abraçar todos meus amores,
numa despudorada manhã de domingo
e me acabar no Farol da Barra,
se me pondo num horizonte praieiro
cantado por Baby Consuelo...
No carnaval que passa em mim,
Quero-quero fazer um samba
com os meninos de Irará
terrinha morena de Tom Zé,
onde tem Acarajé
custa 2 reais e cinqüenta centavos,
e todo mundo quer,
e inda tem Dorival Caymmi pra preguiça acalentar...
Quero-quero meu cerrado mais festivo
goiabas, cambacicas e sabiás
colorindo as W3
cantarolando pelas quebra da Ceí
inté as quebra de Taguá.
Quero-quero um imenso ipê
derrubando trocentos apês
Escancarando janelas
Levando à baixo edifícios!
Quero-quero a Babilônia derruindo,
E o Noroeste do mapa sumindo.
E a todos que estão burocratizando a vida,
contabilizando os amanhãs,
quero-quero que se percam,
ou se esgoelem em suas gravatas,
e se espantem com a vida, com a vida!,
com esse bloco carnavalesco
que em mim grita
fazendo da Casa, senzala
fazendo da vida,
mais bonita!
"É bonita, é bonita, e é bonita!"
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