Dentro da noite eterna

E havia o dia

Que entrava por baixo da porta

Ou pela buraco da fechadura.

O cheiro de gritaria

Batia na janela de meu quarto.

Dentro de casa uma

Família

Emburrada e com cheiro de agonia

O quintal rodeava a

Cozinha, e banhava

De vento o silêncio bruto

Que saia de meu pai.

O burburinho da cigarra

Pisava o chão

E amassava nossos ouvidos...

Os sanhaços com fome

Beliscando o mundo com o bico

(Não há banana que chega!)

E gritando, o resto da tarde

Espremia a gente dentro da vida

“Vai ali, menino!

Compra cinquenta cruzeiros de café!

A rua passava por mim

As casas e esquinas

O posto de gasolina da rua do Fogo

A igreja de São Pedro

O muro branco do colégio

Seu Raul voltando do trabalho

Seu Mário lima, o dono da venda

A balança e o café,

Que mais tarde desceria pela boca

E pela goela...

Enganando nossa fome de amor.

E eu parado,

E a infância rodopiava e me atravessava

Como uma faca de veludo e veneno

Parecia uma queda sem fim

Uma vertigem, um desfalecimento...

O menino Jesus me olhava da parede

Em qualquer lugar da sala

Eu não podia enganar os olhos de Deus

E sofá comprado com o dinheiro de Ernécio

Cada vez se enfarava mais de nossa preguiça...

Quando chegava a noite

Nossa casa era guardada

Por um escuro mais escuro ainda

Um céu ponteado e salpicado

Encurvava a gente pra dentro do medo

No outro quarto, os dos fundos

Na beira do quintal,

Onde o dia podia entrar

Dois amores se faziam

Duas vidas se mordiam

Meu pai e minha mãe

Se amavam como se nada

Disso existisse....