Saudação a Fernando Pessoa
Saudação a Fernando Pessoa
Porque houveste de morrer,
Sem me deixar ter-te conhecido?
Por mais que eu te sinta agora
És um velhaco amigo.
Sou dos teus, tu bem o sabes:
Basta olhar o meu olhar em maresia.
Em que lugar cabe a tua mente
Imensamente farta de criar poesia?
De sentir-te, tenho medo de perder-me;
De ler o que escreveste, fico à beira da histeria;
Por não te ver, fico tonto, num marasmo:
Fizeste-me conhecer esse lado que eu não via.
Curandeiro da minh'alma doente,
Com teus versos de ópio, sangue e vinho,
Sagro-me teu cantor, bem o sabes:
E sinto que não estou sozinho.
A tu'alma está aqui, onipresente.
Ocupas os espaços que são teus.
Quem me ler, achará que sou demente;
Mas quem me vê, são os olhos teus.
Não quero incomodar-te, no Olimpo;
Mas meu impulso de querer é incontrolável;
Não sei se meu lugar é aqui na terra,
Ou no etéreo, ao teu lado, imutável.
Quando chegar ao teu encontro, te conto tudo;
Mas agora, aos berros, gritos, urros e relinchos,
Não há nada que me detenha, que me domine:
Eu não sou Deus! Não há ninguém aqui mais forte!
Não sei se estou insano, mas sinto tua presença.
Ela ronda aqui, sempre tão perto.
Numa espécie de travesseiro, em minha cama,
Dormes; isso eu lembro; não lembro o resto.
Sou ousado, tu bem o sabes, caro Fernando.
Sou ousado, por sentir o que sinto agora.
Os teus versos, narcóticos da min'alma,
Me vês por dentro, outros só por fora.
A minha casa é tua e te sentes bem aqui.
Fique à vontade: Queres ler ou conversar?
Tu me dizes, pensando que não te ouvi;
Dá-me um abraço, que esse abraço, eu vou guardar.
Tu és íntimo. Há quanto tempo me frequentas?
Fala-me da Rua do Ouro e do Canal de Suez,
Onde escreveste para o Mário, o Opiário;
Conta-me tudo, tudo, de uma só vez.
Fala-me do poema, "Passagem das horas":
Por que estavas enfadonho e aborrecido?
Pena que só me encontres agora;
Mas agora, agora, somos amigos.
Como anda o Sá-Carneiro, aquele louco suicida?
E o Whitman, por fim o encontrastes?
Conta-me tudo, que não sei das outras vidas,
Que eu dactilografo, feito flor sem haste.
Fala-me da morte, que não me aterroriza.
Esse é o fim de todos nós, mortais.
Tu que já passastes pela vida,
Como um navio, encontraste, enfim, o cais.
És imortal, meu caro amigo.
Se não sabias, eu te revelo, agora:
O mundo inteiro te reverencia.
Espera um pouco, é cedo, não vás embora.
Não te falei das minhas falcatruas,
Da insanidade explicita com nexo.
Por tudo que escrevestes és, decerto,
O maior poeta vivo, com teus versos.
Precisas ir agora, meu caro companheiro!
A quem te perguntar, eu ando meio aéreo.
Eu sei que não demoro; só não sei ainda o dia
Que nos encontraremos no Olimpo, ou no etéreo.
Rio de Janeiro, dez de novembro de mil novecentos e noventa e um.
Tony Bahia.