PROSOPOPÉIA DA PONTUAÇÃO
Aos gramáticos
Uma velha gramática na prateleira,
Coberta de enredado de aranha e poeira
Foi palco certa vez, de um súbito motim:
A vírgula dizia estar desesperada,
Naquela inércia, sem marcar leve parada
Em simples texto, em livro ou mesmo em folhetim.
As reticências que insinuam, que sugerem,
Que interrompem, que omitem, sempre, logo aderem
À coirmã chorosa da pontuação.
E o ponto e vírgula pautados pra frenar
Com mais rigor, no texto, põem-se a blasfemar
Também contra o desprezo e contra a solidão.
As Aspas e os Parênteses que são parentes,
Usados para destacar trechos nitentes,
Perguntaram à pobre da interrogação:
“Olha, você que só consegue interrogar
Não fala nada agora, aí do seu lugar?”
Veio a resposta: “o quê?” “por quê?” “do quê? “quem são?”
Lá do fundo da página quase apagada,
Desperta e exclama, em válida patriotada,
A rainha do texto, a doce exclamação:
“Ninguém estuda mais, é só festa e dinheiro;
Até a cultura já jogaram no chiqueiro,
Ninguém mais lê, é o triste fim da educação!”
E o simples travessão que nunca falou nada,
Com aquela celeuma toda atravessada
- Temendo despertar a extrutura verbal -,
Saltou de sua página amarelecida
E cheio de ódio e mal-estar, fulo da vida,
Despertou, sem escrúpulo, o Ponto Final.
Salé, Lucas