O CAMINHO DAS PEDRAS

O segredo da ficção

é não ter medo de se aventurar

e nem de se perder

pelas trilhas, nas grotas,

nas brenhas, nas locas,

de palavras, emoções e sentimentos.

E ter olhos de tudo.

E saber pescar o momento.

E depois se esquecer e jogar tudo fora.

Que peixe não usa relógio,

mas têm escamas de prata que brilham a toda hora.

Feito guelras de ficção que se oxigenam de aurora.

Ficção é ousar descaminhos

e soprar feito brisa

murmurando segredos de sereia

nos ouvidos dos vales e das montanhas.

É correr feito rio se abrindo

em remansos

e desfazer-se em cachoeiras,

em cascatas nácar de pensamento.

É serpentear feito regato,

fazer-se corixo, ser peixe escarlate

e ser bicho alumbrado

nos brejos de sapo e vaga-lume.

É conversar bem baixinho com as árvores

e ouvir o que dizem as orelhas de pau,

os cogumelos e os líquens.

É voar feito vento na leveza dos pássaros.

E cantar e fazer ninho em flores de pedra,

e aspirar a doçura dos jasmins.

É ter alma de borboleta e a fragilidade de um cristal.

É ser concha e ser pérola.

Lábios de ouro, diamante e rubi.

E nas pétalas do lírio ninar voos de colibri.

É sonhar como nuvem e andar sobre a pele das águas

em carruagens de nenúfar.

É namorar o brilho que desenha na pedra o caracol.

É acordar as manhãs se trincando de sol

no orvalho das saudades,

prateadas de solidões e silêncios.

O segredo da ficção é abrir as porteiras

e viajar sem fronteiras.

É ser nau de velas acesas,

argonauta perdido nos mares das sereias,

das fadas, das bruxas e das princesas.

É beber o perfume das rosas e acariciar seus espinhos.

É dançar feito riso de menino.

Reinventar os países onde habitam os poemas,

onde a paz e o amor e a beleza das palavras

fazem trincheira.

É plantar a semente do verbo

em todas as eiras.

E aprender a desaprender a todo instante.

Saber ler o mundo e os dramas humanos.

E ver divindade em tudo.

Riscar feito corisco, entender a voz do trovão.

Ouvir o silêncio, contemplativo, quase mudo.

Ficção é o brilho dos olhos,

a brasa que arde

nas asas da manhã ou nas páginas da tarde.

E à noite se faz pirilampo enamorado de luar.

O segredo da ficção

é saber unir a alma ao coração.

É viver no gume da faca, entre o fio do amor e o risco da paixão.

É ser lágrima e riso na doçura do sal.

É não temer a loucura de ver o igual,

de repente, ficar diferente.

É amar tudo o que é bicho e gente.

E estar acima do bem e do mal.

O segredo da ficção

é trilhar as veredas sem fim desse ermo perdido,

tão longe e tão perto,

que é um reino de emoção,

esse país desconhecido, pântano às vezes temido,

que é a terra da fantasia e da imaginação.

Fazer ficção é isso e mais que isso.

Ou quase. Que invenção não tem regra.

O resto é ficção.

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(poema inspirado na resenha O SEGREDO DA FICÇÃO, escrita por Edna Lopes, sobre livro homônimo de Raimundo Carrero. Recomendo a leitura.)

http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/3468296)

José de Castro
Enviado por José de Castro em 30/01/2012
Reeditado em 30/01/2012
Código do texto: T3469561
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