Difenidramina
Deitada de bruços, o tórax se dilata,
portões ósseos rangendo de leve se entreabrem.
Um fatigado coração se afunda colchão abaixo
como um pequeno animal latejante e sonolento
até que se aninha entre espumas, molas, forros,
coisas moles de poliuretano, plumas.
Livre do peso, você sente debaixo do
peito os batimentos: um batuque longínquo, abafado.
Um tambor forrado de feltro,
uma procissão em bairro vizinho.
Que sensação estranha: de uma só vez,
soberania e entrega. Nem bem um desassossêgo.
Nada esvaziado resguarda o seu próprio vácuo.
É no escuro entremeio entre o vero sono
e o vivo alerta que aluga-se o tórax a coisas amenas.
Coisas de uma doçura indescritível, de bordas torneadas.
Mesmo assim a calmaria recua como a maré,
lenta e constante.
Rogas aos teus inquilinos noturnos
que adiem a partida: -- Fiquem! É cedo ainda.
Mas o batuque recresce, curto e seco.
O animal emerge da toca, se aloja novamente
no baú-pandora das tuas costelas quebradiças.
Procissões se exaltam, emendam alas,
desfilam pelo teu corpo que não tem opcão
fora entregar-se ao dia.