O vento
o vento,
olhos magoados
pela agonia
e pela solidão,
murmura palavras cediças
que as mãos alcançam
e que as estendem
em meio a tristeza
dissimulada pela ilusão
no silêncio
das sombras exaustas
adormecidas pelo chão
silêncio das coisas
inominadas e sem voz
só um soluço morrendo
com a poesia da noite
sussurrando dentro de mim
não ouço silêncio nem voz
nem versos
ouço somente os passos
nos caminhos que caminhei
profundamente a sós
como um raio de sol
caminhando pela janela
na manhã branca de orvalho
quando entreguei ao vento agonizante
a única flor que amei
desenhada pelo rumor inquieto
do meu sonho e do meu medo
sozinha e bela
a última flor amarela
que brotou do meu passado
em traços exóticos,
inconsistentes,
máscaras,
paredes grafitadas...
a última flor...
amarela
que se foi no instante anterior
ao do primeiro amor
ao do primeiro verso
ao do primeiro barro
de onde insurgiu o primeiro anjo
num mar iluminado pela lua
quando a madrugada se partia
entre o fosso da noite
e o ventre do dia
do perfume deste momento
esboçei a flor amarela
e o vento agonizante
olhos magoados
em suas dores pungentes
desliza por entre mundos
e outonos sediciosos
desce o vento pelas vielas
do que um dia foram as minhas vidas
e o jardim de flores amarelas
incendeia os fogos dos momentos mortos
das mortes lentas das minhas vidas perdidas
O vento
olhos magoados
evolui lentamente nos becos
de uma noite ascética
traçada a giz